Supremo: passado e presente

(por Helio Duque*) – Nos idos de 1964, o presidente da República, marechal Castelo Branco, em nome da nova ordem pretendia cassar os ministros do STF, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Foram indicados à corte pelos ex-presidentes cassados Juscelino Kubistchek e João Goulart. O ministro Alvaro Ribeiro da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal, com o apoio de todo o colegiado, avisou a Castelo Branco: em ocorrendo as cassações fecharia o STF e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto. O governo recuou na pretensão.

Supremo: passado e presente
Ministros do STF atingidos pelo golpe (a partir da esq.): Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva (cassados); Gonçalves de Oliveira, Lafayette de Andrada (saíram por discordar das cassações); Adaucto Lúcio Cardoso (saiu por discordar da lei de censura prévia).

Cinco anos depois, em 1969, com o draconiano Ato Institucional nº 5, os três ministros seriam afastados do Supremo. O então presidente do STF, Gonçalves de Oliveira e o seu sucessor na presidência Antonio Carlos Lafayette Andrada, por discordarem da punição afastaram-se do Tribunal.

Outro episódio histórico ocorreu em 1971. O ministro Adauto Lúcio Cardoso, indicado por Castelo Branco, em 1966, reagiu com ferocidade ao Decreto-Lei 1.077, do presidente Emílio Médici. Chamada Lei da Mordaça, implantaria a censura prévia “a imprensa e todas as publicações editoriais.” Aprovada a lei antidemocrática, Adauto Lúcio Cardoso, arrancou a toga preta e lançou sobre o plenário do Tribunal, abandonando a sessão e o cargo de ministro. Nunca mais voltou ao Supremo, envergonhado com a decisão dos seus pares.

Os dois episódios retratam um tempo em que, nos conflitos jurídicos que atentavam contra a Constituição, os seus ministros reagiam como guardiões da ordem democrática. Não tinha lugar para a teratologia que significa decisão absurda, contrária à lógica e a própria realidade. Chefe de redação do jornal “Valor” (4-4-2018), Rosângela Bittar, definiu o STF atual: “É composto por professores e, sobretudo, por advogados se digladiando diante de um júri imaginário em torno de nada, até que retome a leitura enfadonha do seu empolado voto. Até um decano age como promotor e é preciso ter compaixão da sua sina atual, a de exegeta dos votos, tão díspares e cheios de firulas que precisam ser compatibilizados para que a presidência possa proferir o veredito”.

No artigo “Meu doutorado contra o seu”, Rosângela Bittar, destacava: “Em todas as épocas e composições o Supremo enfrentou dificuldades. Mas eram catedráticos, políticos veteranos e experientes, embaixadores, presidentes da Câmara e do Senado, presidente de tribunais de Justiça dos principais Estados e até advogados que passaram pela política.  Numas fases, Gallotti, Trigueiro, Bilac Pinto, Baleeiro, Alckmin. Noutras, Brossard, Célio Borja, Dias Correa, Prado Kelly, Lins e Silva, Nunes Leal, Hermes Lima, Vila Boas, Gonçalves de Oliveira. Pessoas que emprestavam sua biografia ao Supremo e não lá foram para fazer biografia”.

Infelizmente a presente quadra da vida brasileira de intolerância retrata uma crise sistêmica na qual Executivo, Legislativo e Judiciário se ombreiam na sua sustentação. Republicanismo parece ser valor adjetivo para os integrantes dos três poderes. No Judiciário, a decisão de prisão após a segunda instância aprovada pelo STF, por 6×5, firmando jurisprudência é questionada pelos seus próprios integrantes. Um dos ministros Gilmar Mendes que votara a favor, agora ao mudar o seu voto, deseja alterar a jurisprudência. Em ocorrendo a mudança com o estabelecimento das quatro instâncias de julgamento de um réu, a prescrição de penas aplicada garantirá a impunidade. Prescrição é a subversão garantidora de novos crimes e consolidadora do caos jurídico.

A mudança de posição do ministro ocorre exatamente quando os oligarcas da política no PT, no PMDB, no PSDB, e nos partidos satélites da base de diferentes governos, em função da Operação Lava Jato, sabem que poderão ser presos. A sinalização da condenação do ex-presidente Lula da Silva, não é fato isolado, daí o pânico dos poderosos da nauseabunda vida política brasileira. A mudança do voto de Gilmar Mendes atende ao desejo desses delinquentes políticos. E o mais grave: ocorrendo a revisão da jurisprudência do STF, a corrupção sistêmica no Brasil será a grande vitoriosa. É a grande alternativa para neutralizar a Operação Lava Jato.

(*) HELIO DUQUE é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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