(por André Renato Miranda Andrade*) – Sobre a tal “reforma tributária”, com a pretensa novidade acerca do IVA, peço licença para fazer algumas observações sobre esse mito chamado “IVA”, senão vejamos:
1) Desde a Constituição de 34 o imposto sobre vendas é um tributo estadual (IVC, até 1965; o ICM, de 1965 a 1988; ICMS, desde 1988), sendo que a CF/88 apenas manteve essa competência tributária histórica no âmbito dos Estados e do Distrito Federal.
2) O modelo de um Imposto sobre Vendas multifásico (incidente em todo o ciclo produtivo) e não cumulativo (do tipo “IVA”) foi idealizado na Alemanha, no pós-guerra de 1918/1919, pelo assessor governamental VON SIEMENS, cujas observações teóricas foram publicadas no início da década de 20; por outro lado, a adoção pela França, na década de 50, tida como pioneira, ficou restrita aos abatimentos na fase da industrialização, não albergando todo o ciclo.
3) Para registro – e surpresa dos desinformados – o Brasil foi o segundo país no mundo a adotar o modelo mundial de um imposto multifásico e não cumulativo, em 1965 (com a EC nº 18/65), abrangente em todas as etapas do ciclo, sendo a Costa do Marfim na África (então colônia francesa) o primeiro a regulamentar nesse formato. Eis, portanto, um “mito” de que a “introdução” (sic) do IVA no Brasil seria uma inovação.
4) Ora, a denominação ‘IVA’ tem uma conotação econômica que não corresponde a sua efetiva base jurídica tributável, isto é, o IVA (assim como os seus coirmãos ICMS, IPI e ISS) incide sobre o valor da venda mercantil ou sobre o preço do serviço contratado; logo, não incide sobre a parcela de valor agregado em face da diferença positiva entre o valor da aquisição e o valor da venda, apenas para exemplificar com os fatos geradores mais importantes.
5) O IVA (sigla mundial) e o ICMS são impostos sobre o consumo (de mercadoria, de serviços etc.), multifásicos e não cumulativos (neutros), com bases de cálculo similares (valor/preço da mercadoria, do serviço etc.); daí concluir-se que é apenas uma questão de nomenclatura (IVA ou ICMS), que, aliás, é elemento imprestável para se aferir a natureza jurídica de um tributo.
6) O ICMS não é um “apêndice” que deva ser substituído, como sugere a proposta de reforma a ser encaminhada pelo Governo ao Congresso Nacional; deve-se, sim, adequá-lo ao regime constitucional que assegure, fundamentalmente, entre outras: a) a irrestrita não-cumulatividade; b) a efetiva seletividade nas alíquotas; c) a eliminação da esdrúxula fórmula do cálculo por dentro, que eleva a alíquota legal de 18% (por exemplo) para 21,95%, em nítido caráter cumulativo (“constitucionalizada” pela EC 33/2001).
7) A edição de nova Lei Complementar nacional (substituta das LC 87/96 e 24/75) para unificar alguns pontos específicos, como, por exemplo, alíquotas máximas e mínimas, direito ao crédito, tributação na origem ou no destino, trâmite dos convênios, limites para concessões unilaterais de isenções e outros benefícios fiscais, entre outros, surtiria efeito mais significativo do que (r)emendar a CF/88.
8) Reforma tributária que venha tornar o ICMS um imposto federal viola cláusula pétrea expressa (Art. 60, § 4º, I, CF/88), haja vista que reduziria a eficácia do Princípio Federativo ao retirar parcela expressiva da autonomia financeira dos Estados e do Distrito Federal, além dos Municípios que dependem – e muito – do repasse constitucional de 25% do ICMS gerado em seu território, considerando que o ICMS arrecadado pelos Estados e DF representa aproximadamente 1/3 (um terço) da arrecadação tributária no país.
9) Portanto, as deficiências jurídicas do ICMS não estão na CF/88 e sim na legislação infraconstitucional (ver LC nº 87/96) que insiste em torná-lo cumulativo quando veda o direito (constitucional) ao crédito do imposto embutido no preço na aquisição de bens instrumentais do estabelecimento (uso, consumo e ativo permanente), no consumo de energia elétrica ou no serviço de telefonia, apenas para ficar nesses exemplos; os Estados e o DF estão de mãos atadas, tendo em vista a norma nacional orientadora do ICMS (LC nº 87/96) nessas questões.
10) Sobre “extinção” de alguns tributos federais (PIS, COFINS etc.), é mais uma falácia. A proposta do governo federal apenas acaba com as “siglas”, pois as bases tributárias (faturamento, receita bruta etc.) continuarão albergadas em outra nomenclatura; assim como esse tal de “IVA Dual”, outra bobagem, haja vista que já temos um “iva” federal conhecido como “IPI” (sumiria a sigla, mas a etapa da industrialização continuaria sendo tributada pelo tal “dual”).
11) Sobre a alteração – mais uma – da CF/88, trago à colação crítica histórica de Geraldo Ataliba, saudoso jurista brasileiro, que já alertava, em meados da década de 60, sobre o excesso de emendas à CF: “Nosso sistema é bom. Péssima é sua aplicação por desleixo, ignorância, má-fé, desorganização, espírito burocrático, desprezo pelo direito, empirismo, falta de consciência quanto às exigências do princípio da relação de administração, por subjetivismo, personalismo, protecionismo, afilhadismo e corrupção. E o leigo é levado equivocadamente a condenar o sistema constitucional – e até substituí-lo, quando os azares da política o permitam – atribuindo-lhe as deficiências dos que não o obedecem rigorosamente”.
(*) André Renato Miranda Andrade
Procurador do Estado do PR, Professor de Direito Tributário.
É isso Dr. André, o ICMS não é ruim e você não citou ainda, a questão do sistema de apuração, que já está desenvolvido e que abandoná-lo para criar uma forma de apuração, gerará enorme ônus para os contribuintes. O ICMS só perdeu funcionalidade pelos males que o Dr. Geraldo Ataliba citou, todas as violações possíveis para desvirtuar a sistemática não cumulativa do imposto. Benefícios fiscais urdidos nas sombras para proteger os amigos do Rei, até inacreditáveis benefícios nas operações de importações, que geram empregos lá fora e exterminam nosso parque industrial, vivenciamos um feudalismo fiscal, onde a esperteza de um Estado prejudica o outro, em favor de empresas e de clãs políticos. Certo é restabelecer o ICMS e “Cortar as Mãos” dos Governadores e seus Secretários, quando derem motivos para guerras fiscais. Basta impor uma penalidade pesada e multas sem atenuantes, vedando os repasses constitucionais aos Estados que violarem as regras, até o limite do dano causado. Enfim Dr. André meu sentimento é de incredulidade na implementação de um novo sistema ou até numa reforma do velho, pois os últimos esforços feitos pelos Estados para acabar com a guerra fiscal, só aumentaram o tamanho do Dragão e postergaram o inevitável caos.
Tudo que foi feito até agora não atrai os investidores, é mais do mesmo, mudando tudo para deixar tudo como está.
Perfeitas observações do Prof. André! Reformar não significa extinguir, mas sim melhorar, aperfeiçoar, adequar!!!