O que esperar do Sistema de Compras Instantâneas?

Ramon Cavalcante Trauczynski * – Apesar da Lei nº 14.133/2021 ainda ser chamada de a “Nova” Lei de Licitações e Contratos Administrativos, já se passaram mais de três anos desde sua publicação.

O título de “nova” talvez persista devido às inúmeras dúvidas que ainda cercam vários institutos introduzidos pela legislação.

Nesse contexto, observa-se que, além dos desafios interpretativos que ainda estão sendo consolidados nas Cortes de Contas e Tribunais nacionais, já existem mais novidades à vista.

Desataca-se aqui o Projeto de Lei nº 2.133/2023, de autoria do Deputado Federal Daniel Soranz, que visa incluir dispositivos na Lei nº 14.133/2021 no intuito de criar o chamado Sistema de Compra Instantânea – CIX.

Em resumo, a ideia do CIX é facilitar a aquisição de bens padronizados por meio de um sistema de credenciamento, agilizando compra desses bens pela Administração ao eliminar algumas etapas burocráticas.

Conforme a Justificativa do Projeto de Lei, o CIX seria operacionalizado por uma “plataforma de contratação simplificada para produtos padronizados”. Dessa forma, produtos que atendam aos padrões estabelecidos podem ter seus fornecedores credenciados, permitindo que qualquer esfera da Administração realize a compra imediata desses produtos.

O CIX se apresentaria como uma alternativa à realização de licitações na modalidade pregão para a aquisição de bens e produtos padronizados, conferindo maior agilidade ao processo.

O Projeto de Lei estipula que as regras relacionadas ao sistema serão reguladas pelo Poder Executivo federal, abrangendo: i) credenciamento dos anunciantes; ii) cadastramento do bem no catálogo eletrônico de padronização; iii) regras para formação de preços; iv) prazos e métodos de entrega; v) prazo para pagamento, não superior a 30 dias; vi) penalidades pelo inadimplemento do contratado.

A proposta é muito interessante e inovadora na perspectiva de eficiência administrativa, haja vista que cria toda uma nova sistemática que viabiliza a aquisição de produtos padronizados cuja urgência, muitas das vezes, entra em conflito com as regras a serem observadas da legislação vigente.

O Projeto de Lei exemplifica, nesse contexto, a aquisição de medicamentos, que poderia ser facilitada pela aplicação do CIX.

Ocorre que apesar da perspectiva positiva do Projeto de Lei em relação à eficiência das contratações administrativas, ainda há muitas dúvidas pertinentes à inserção do CIX em toda a sistemática da Lei de Licitações e Contratos.

Isso porque a Lei nº 14.133/2021 já traz institutos com dinâmica semelhante à pretendida pelo Projeto de Lei, como o próprio instituto do credenciamento, que é viável para contratações paralelas, não excludentes e de mercados fluídos.

O credenciamento estabelece um preço pré-estabelecido para a contratação de bens e serviços, com critérios que garantam a contratação de todos os interessados e habilitados para referido fornecimento.

É dinâmica similar ao pretendido CIX, mas que aparenta trazer maiores “amarras” para a garantia dos objetivos da Lei de Licitações e do dever de licitar insculpido no art. 37, XXI, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Inclusive, o credenciamento parece ser um instituto adequado até mesmo para a aquisição de medicamentos, mencionada pela Justificativa do Projeto de Lei.

Embora o CIX seja positivo sob a perspectiva da eficiência, não traz respostas efetivas quanto à adaptação de uma série de instrumentos que priorizam o planejamento nas contratações dos gestores públicos, como Plano de Contratações Anuais, que fornece estimativas prévias das aquisições da Administração para melhor orientar as escolhas e diretrizes do gestor público ao longo do ano.

Apesar das dificuldades sistêmicas e estruturais, a adoção dos instrumentos de planejamento da Nova Lei de Licitações fazem com que a tão aclamada agilidade tenha sua necessidade por vezes mitigada, uma vez que uma gestão bem planejada tende a se deparar menos com urgências. As urgências em sua essência, por sua vez, contam com os instrumentos hábeis para serem socorridas.

É nessa linha que as lacunas existentes no desenho do CIX impõem que seja realizado um aprofundamento no debate de suas regras, especialmente porque, caso seja instrumentalizado sem os conectores e balizas adequados, pode vir a prejudicar o esforço existente na normatização dos instrumentos auxiliares da licitação, elencados no art. 78, da Lei nº 14.133/2021 e na gama de institutos que visam a homenagem ao planejamento por parte da Administração Pública.

Por vezes, talvez a melhor solução para o alcance de uma gestão pública mais eficiente seja a assunção da necessidade de planejamento por parte dos gestores, em detrimento do desenho de institutos que possam apenas desincentivar a adoção dos mecanismos pensados pela Nova Lei de Licitações nesse intuito.

O CIX pode ser sim uma ferramenta positiva para as aquisições imediatas, mas sua adequação à toda sistemática das Licitações é muito necessária para que o instituto não cause distorções e provoque um efeito contrário.

* Advogado. Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Diretor Jurídico do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório – IBDRE.

 

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