Representante da Pfizer confirma que governo não respondeu ofertas feitas em agosto de 2020

Presidente regional da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo afirmou  nesta quinta-feira (13), em testemunho à CPI da Covid,  que os primeiros contatos da empresa com o governo brasileiro para apresentação de seu imunizante aconteceram entre maio e junho de 2020. Ele também declarou que a empresa chegou a oferecer, na segunda e na terceira propostas apresentadas ao Ministério da Saúde em agosto do ano passado, 1,5 milhão de doses para serem entregues ainda em 2020, o que não ocorreu por não ter havido resposta governamental.

Segundo Murillo, a primeira oferta oficial, feita ao Ministério da Saúde, ocorreu em 14 de agosto de 2020, com duas possibilidades: 30 milhões de doses ou 70 milhões de doses, ambas com a entrega de 500 mil doses ainda em 2020 (veja o quadro ao final da matéria).

Na segunda oferta, em 18 de agosto de 2020, e na terceira, em 26 de agosto, também foram propostos os volumes de 30 milhões e 70 milhões, mas com uma nova possibilidade: 1,5 milhão de doses para serem entregues em 2020. O valor contratual seria de U$ 10 por dose, definido a todos os países de renda média.

— Nossa oferta de 26 de agosto tinha uma validade de 15 dias. Passados os 15 dias, o governo brasileiro não rejeitou, tampouco aceitou a oferta — esclareceu Murillo.

Depois disso, novas ofertas teriam sido feitas, mas somente em 19 de março foi assinado contrato com a empresa para a oferta de 14 milhões no segundo trimestre de 2021 e mais 86 milhões para o terceiro trimestre. O segundo contrato, que estaria para ser assinado, prevê a entrega de mais 100 milhões no quarto trimestre deste ano.

O presidente regional da Pfizer confirmou que em 12 de setembro do ano passado — conforme dito na quarta-feira (12) pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten à CPI — a Pfizer enviou uma carta a seis autoridades brasileiras sobre as ofertas feitas ao Brasil e sobre o interesse em negociações. Murillo disse que a carta foi encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro, ao vice-presidente, Hamilton Mourão, aos ministros Paulo Guedes (Economia), Eduardo Pazuello (que nessa época era o ministro da Saúde), Walter Braga Netto (então na Casa Civil) e ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster.

Murillo garantiu que as negociações com o governo brasileiro sempre foram lideradas por ele, junto ao Ministério da Saúde, em especial com o ex-secretário-executivo da pasta, Élcio Franco. Murillo também confirmou a assessoria de dois escritórios externos de advocacia à empresa.

Os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI) contestaram que a Pfizer pudesse entregar as vacinas ainda em dezembro ao Brasil, diante do fato de que somente em 11 de dezembro essas vacinas foram autorizadas pela agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (FDA), tendo sido iniciada a vacinação naquele país em 14 de dezembro.

Os dois parlamentares alegaram que em dezembro não havia disposto legal para aceitação contratual com a empresa no Brasil, o que só teria ocorrido após a publicação em março de 2021 da Lei 14.125, de 2021, que dispõe sobre a responsabilidade civil relativa a eventos adversos pós-vacinação contra a covid-19.

— Há três cláusulas jurídicas consideradas incompatíveis com a legislação brasileira. Imposição da farmacêutica: que o Brasil dispusesse de valores em uma conta no exterior, da Pfizer, como garantia de pagamento, na chamada pré-compra; que qualquer questão contratual fosse julgada em um tribunal de Nova York, nos Estados Unidos; e que o Estado brasileiro assumisse a responsabilidade por eventuais efeitos colaterais da vacina. A legislação não permitia, até então, a assinatura do contrato com cláusulas impostas nessas condições. Foi por isso que o Senado Federal e o Congresso brasileiro tiveram que aprovar uma legislação permitindo ao governo assinar esse contrato com a Pfizer — pontuou Marcos Rogério.

Para Ciro Nogueira, “caem por terra” narrativas como a de que a população estaria vacinada se essas tratativas tivessem acontecido.

— Acho que ficou bem claro, pelos números, contra esses fatos, o que Dr. Carlos Murillo colocou, que a quase totalidade das vacinas ofertadas pela Pfizer é para o terceiro semestre em diante, em especial o segundo semestre, no nosso país. E a segunda [narrativa] é a de que o país teria condições legais de ter comprado essas vacinas no ano passado.

As colocações de Marcos Rogério e Ciro Nogueira foram contestadas por vários senadores. O presidente da CPI, senador Omar Aziz, destacou que até 18,5 milhões de doses poderiam ter sido entregues ao Brasil até o segundo semestre de 2021, caso o governo tivesse aceito a oferta de 26 de agosto.

— Eu conversei há pouco com o Dr. Dimas Covas, que é presidente do Instituto Butantan. Perguntei: “Dr. Dimas, quando é que chegou a CoronaVac ao Brasil?”. Ele falou: “Em novembro, nós tínhamos seis milhões de doses”. Aí, a aprovação na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] só foi em janeiro. Tanto é que a Anvisa aprovou em janeiro, num domingo, ao que todos nós assistimos pela televisão, e dois dias depois já estavam distribuindo as vacinas. O caso específico em relação à Pfizer poderia ter sido no mesmo sistema. Teríamos as doses, esperaríamos a Anvisa aprovar, como foi feito com a CoronaVac — argumentou Omar.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que, se o Brasil tivesse atendido a todos os pré-requisitos exigidos pela Pfizer no mês de janeiro, no começo desse mesmo mês os brasileiros já estariam sendo vacinados com o imunizante americano.

— A situação que nós estamos vivendo hoje, neste momento, de falta de vacina, sem dúvida nenhuma é [resultado da] política equivocada do governo federal.

Medida Provisória –  Os senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Humberto Costa (PT-PE) questionaram o porquê de o governo não ter apresentado uma medida provisória para acelerar a compra da vacina.

— A demonstração da falta de interesse é tão grande que as exigências que foram feitas pela Pfizer — que também foram feitas para outros países — só foram atendidas, senador Randolfe Rodrigues, porque o Congresso Nacional, a partir de uma iniciativa de Vossa Excelência e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou um projeto de lei. O governo brasileiro, desde o mês de agosto, quando as tratativas começaram a ter a forma de uma proposta, poderia ter editado uma medida provisória para que o Congresso Nacional pudesse votá-la — criticou Humberto.

Em resposta a questionamento do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Murillo declarou que desde novembro autoridades do governo brasileiro e a Pfizer já tratavam de alterações que deveriam ser feitas na legislação para que o contrato fosse firmado.

Em dezembro de 2020, segundo Randolfe, já havia minuta de medida provisória com proposta de dispositivo que dava segurança jurídica para essa contratação, com definição de responsabilidade civil. A medida provisória teria sido apresentada à Câmara dos Deputados em janeiro de 2021, mas teria sido rejeitada por orientação do governo.

— Estamos falando de três meses. Repito a pergunta: quantas vidas poderiam ter sido salvas nesses três meses? (…) Chile, Costa Rica e México, conforme confirmação do representante da Pfizer, iniciaram a vacinação com o imunizante da empresa em 14 de dezembro de 2020 e o Brasil poderia estar na lista.

O senador destacou ainda que em 19 de novembro de 2020 Élcio Franco declarou que o governo brasileiro e o Ministério da Saúde não tinham intenção de preparar legislação para isentar de responsabilidade civil os responsáveis pelo imunizante americano.

Mas, segundo Marcos Rogério, a medida provisória deixaria o presidente da República agindo unilateralmente em nome do Estado brasileiro em uma questão internacional.

— Nesse caso, o devido processo legislativo, que a todos aqui deve instruir, indica que isso tem que ser feito por lei ordinária, conjugação de vontades, Executivo e Legislativo. Não caberia pela via de medida provisória.

Cláusulas leoninas

O presidente regional da Pfizer contestou as afirmações feitas pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que, durante sessão no Senado em fevereiro deste ano, afirmou que a Pfizer só teria ofertado seis milhões de doses. Murillo rechaçou ainda a colocação do então titular da pasta de que a empresa teria exigências contratuais “leoninas”,

— Não concordo com esse posicionamento e com o classificativo de cláusulas leoninas. A Pfizer exigiu a todos os países as mesmas condições que ofereceu ao Brasil — assegurou Murillo.

Ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre as dificuldades na negociação com a gestão do ex-ministro Pazuello, o representante da Pfizer relatou que os temas complexos da negociação estavam relacionados, primeiramente, com o tema logístico.

— O Ministério da Saúde tinha preocupação com as condições de armazenamento para a nossa vacina. A nossa vacina requer um armazenamento a 70 graus negativos. (…) Porém, no final de outubro, numa reunião que nós tivemos no Ministério [da Saúde], nós fomos à reunião apresentar a caixa de embalagem que a Pfizer, em parceria com outras companhias, tinha desenvolvido, que permitia o armazenamento da nossa vacina nessa caixa somente com troca de gelo seco por até quinze dias, que poderia ser armazenada em refrigerador comum por até cinco dias, se não me engano.

Murillo negou que tenha havido qualquer dificuldade com a Anvisa, que emitiu o registro permanente da vacina da Pfizer em 22 de fevereiro de 2021, “tendo sido o Brasil um dos primeiros países do mundo a obter o registro permanente” para o imunizante da empresa.

— Iniciamos a submissão à Anvisa em 25 de novembro de 2020. Isso no processo de submissão contínua. A submissão dependente do registro formal foi feita em 5 de fevereiro de 2021, e o registro foi aprovado em 23 de fevereiro. (Agência Senado).

 

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