Reformas, reformas, reformas: cortinas de fumaça e falta de autoridade moral

“Reforma não é agradável, mas dolorosa; nenhuma pessoa pode se reformar sem sofrimento e muito trabalho, quanto menos uma nação” – Thomas Carlyle (1795-1881).

“Grandes mentes discutem ideias; mentes medianas discutem eventos; mentes pequenas discutem pessoas” – H. T. Buckle (1821-1862, apud Charles Stewart, 1901).

Por Estevão de Rezende Martins*  – A cada mandato presidencial em nossa república aparecem aprendizes de feiticeiro querendo recriar o mundo – como se antes deles só houvesse caos e como se, depois deles, desabaria um dilúvio. Demiurgos da mediocridade, passam longe de entender o cosmo e de possuir uma ideia de conjunto e de longo prazo para seu país e sua sociedade. Pensam em si e buscam bodes expiatórios.

São apresentadas reformas de tudo ou quase tudo, sem que se veja com transparência como se articulariam de modo organizado as propostas de mexer (ou não) na federação, no sistema tributário, na administração pública, no funcionalismo, e assim por diante.

Previdência social é ou foi sempre a bola da vez, por causa de seu déficit estrutural crônico. Parece que cada governo precisaria meter a mão no sistema de previdência, sempre para aumentar custos e comprometer benefícios – sem aumento de eficiência ou de mais justiça distributiva duradoura.

A culpa não parece estar na vocação do Estado em si (cuja gestão é de responsabilidade do governo instalado…) de zelar pelo bem-estar de seu povo. A culpa é a omissão, a negligência, a prevaricação, os jogos de interesses setoriais, o amadorismo de muitos (ir)responsáveis (amiúde nomeados por compadrio e não por competência ), enfim, de uma ampla variedade de pretextos furados e desculpas toscas que grave e infelizmente prejudicam a república– desde sua fundação.

Vive-se aos sobressaltos. A cada dia inventam uma agressão ao brasileiro, do empreendedor econômico ao mais simples cidadão. Aumenta-se fardos e diminuem benefícios. Nada de reforma de fundo que diminua de modo consistente a assimetria e a desigualdade: empurra-se à frente e deixa-se “heranças malditas” para os seguintes. E por aí vai. Lançam cortinas de fumaça para enganar os trouxas – que infelizmente são legião.

A “reforma administrativa” apresentada em 2020 parece querer transformar o Estado em uma espécie de “companhia limitada” (nem mesmo uma sociedade anônima), da qual o titular da hora seria dono onipotente, qual Júpiter no Olimpo, despejando seus raios (decretos) à sua guisa.

Só no enunciado principal (caput) do proposto futuro art. 37 da Constituição o “catálogo de princípios” da administração pública ganha oito novos conceitos, perfazendo 13! Ironia? Azar? Saudade de tempos passados? Ato falho?

Como se a dicionarização dos princípios falasse por si mesma e fosse óbvia e intuitiva para os funcionários ou para os cidadãos em geral. Nem mesmo o é para os agentes políticos eleitos. Não há hermenêutica jurídica que nos salve: a história recente mostra que, na falta de estatura moral nos líderes políticos investidos de mandatos de governo, o risco de campear solta a corrupção é crescente.

Não escapa nenhum poder estatal. Ao contrário, os “espertinhos” de todos os tipos aparentam haver aprendido a surfar no oportunismo eleitoral com blá-blá-blá de vigaristas, para apossar-se de mandatos, com o fito de “consertar tudo”, mas logo logo se vê que só lá estão para “tirar proveito”.

A reforma moral e a consciência ética da responsabilidade pública precisam ser prioritárias: são condições sem as quais o resto não funcionará jamais a contento. As citações acima, de Carlyle e Buckle, combinadas, mostram o quanto esse requisito elementar da decência ainda está longe de ser majoritário.

*Estevão de Rezende Martins, historiador, é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

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