Recado do general ao presidente: “Lembra-te que és mortal!”

Ex-porta-voz do Palácio do Planalto, o general Rego Barros foi exonerado oficialmente do cargo no último dia 7, após longos meses de fritura por discordar das posturas do núcleo duro e ideológico que cerca o presidente Jair Bolsonaro. O general manteve obsequioso silêncio enquanto sofria o ostracismo dentro dos ambientes palacianos.

Na segunda-feira (27), porém, Rego Barros rompeu o silêncio ao assinar artigo publicado no jornal “Correio Braziliense” em que revela – sem citar o nome de Bolsonaro – a vaidade e a perda de senso da realidade de que sofrem os poderosos que preferem a adulação dos áulicos a ouvir os assessores leais.
Rego Barros lembrou a necessidade de os poderosos serem constantemente lembrados que “memento mori” – lembra-te que és mortal! – frase que acompanhava os grandes conquistadores do Império Romano em seus momentos de glória.

generalLegiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O romano geral atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanha apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus vitoriosos: “Memento Mori!” – lembra-te que és mortal!

O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, pode contar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem aqueles trajes romanos. Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas contagens alucinadas de seguidores de ocasião.

É doloroso perceber que os projetos de divulgação nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.

Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais – escravos modernos – que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos.

Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. A restante, por surgem, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, uma discordância leal.

Entendam a discordância leal, um conceito vigente em moldes profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.

A autoridade muito rapidamente incorpora a lista de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar como vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas como palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de Canas.

Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a estabilidade política do império está sob risco.

As demais instituições dessa república – parte da tríade do poder – precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deve fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo a população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César.

A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja transposição ilegal por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deve sussurrar aos ouvidos dos políticos que mereceram seu voto: – “Lembra-te da próxima eleição!”

Paz e bem!

* General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado pelo governo Jair Bolsonaro

1 COMENTÁRIO

  1. Desde Sarney, Color, FHC. Lula , Dilma e agora o capitão certamente seria oportuno que tivessem ou o atual venha a ter alguém para assessorar e sussurrar ou gritar nos ouvidos do tolo poderoso desplantados : “memento mori “
    Texto brilhante do ex-ministro Rego Barros .

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