Os jornalistas Eliane Cantanhêde e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo, entrevistaram a ministra Cármem Lúcia, presidente do STF. Leia um resumo:
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse ao Estado que a revisão do foro privilegiado para parlamentares favorece a Lava Jato e defendeu todas as outras medidas consideradas fundamentais pela força-tarefa para o êxito da operação: delação premiada, prisões preventivas e execução de pena após condenação em segunda instância. Nenhuma delas é unanimidade no STF.
A ministra, porém, alertou contra excessos: “A corrupção precisa ser combatida, e a lei, cumprida. Em nome do combate à corrupção não se pode atropelar a Constituição nem a lei”.
Alvo de ataques pelo desempate no julgamento que delegou ao Legislativo autorizar ou não a suspensão de mandatos, Cármen fez uma autocrítica. Admitiu que seu voto foi “extremamente conturbado”: “Não consegui dar clareza ao princípio de que não se pode romper a separação de Poderes”.Isso, porém, não justifica os deputados do Rio usarem o julgamento do STF para soltar três colegas: “Confundiram para confundir”.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista
A votação sobre o foro privilegiado foi, de certa forma, um reencontro do Supremo com a opinião pública?
Pode ter sido um reencontro, mas por coincidência, porque ele não foi pautado por isso. Já vinha desde maio, teve um pedido de vista, foi liberado agora no final de setembro e imediatamente coloquei na pauta porque é importante.
O decano Celso de Mello antecipou voto para ratificar a maioria expressiva, quebrando o Fla-Flu do STF. Foi um recado para a sociedade?Sim. Quanto mais os ministros estiverem afinados num tema, mais a jurisprudência tende a permanecer e fortalecer o STF. Isso passa segurança. Com 6 a 5, uma mudança de ministro pode gerar nova mudança de jurisprudência.
A revisão do foro vai resolver todos os males da Justiça brasileira?
Não, um juiz de primeiro grau não resolve tudo, mas muda a forma e pode ser mais rápido na prestação da jurisdição. Além disso, numa República, todo mundo tem de ser julgado pelo juiz natural. Você não pode, já no artigo primeiro da Constituição, ter estabelecido a República, que tem na igualdade o seu fundamento, e depois desigualar.
A revisão do foro não pode gerar uma enxurrada de questionamentos?
Todos os casos que vêm a juízo têm alguma dúvida e toda nova lei gera perplexidade na interpretação, na forma de aplicação. Se vierem dúvidas, e não acho que serão tantas assim, serão resolvidas e, dentro de pouco tempo, isso vai chegar a um consenso.
Para políticos, é melhor um julgamento por 11 ministros, ao vivo, ou por um juiz que ele conhece, sem holofotes?
O importante é a garantia da igualdade, para o político e para quem não é político. Não se deve presumir que o juiz fica vulnerável à pressão ou à presença ali e o Ministério Público tem que ficar alerta, questionar, recorrer.
A revisão do foro privilegiado favorece ou prejudica a Lava Jato?
Favorece, porque faz com que aquilo que é relativo à Lava Jato seja julgado de maneira mais rápida e separa o que diz respeito a mandato, o que não diz, o que é anterior, o que não é. Portanto nós teremos maior celeridade. Os processos da Lava Jato precisam ser julgados. A sociedade espera uma resposta, quer para condenar, quer para dizer que determinadas pessoas sejam absolvidas. É preciso que se julguem os crimes de corrupção, que ninguém suporta mais.
Diante da exaustão com a corrupção, os fins justificam os meios?
A corrupção precisa ser combatida e a lei, cumprida. Em nome do combate à corrupção não se pode atropelar a Constituição nem a lei. Nem em nome de cumprir a Constituição se pode ter leniência com a corrupção. Porque a Constituição garante a ética como princípio de convivência.
Não é importante concluir logo o julgamento do foro? Precisava de vista?
É importante concluir. O ministro Dias Toffoli tem direito à vista, mas tenho certeza de que vai dar a celeridade necessária para que isso volte imediatamente.
No mérito, o que a senhora acha dessa PEC, que inclui outras autoridades nessa revisão do foro? A PEC amplia esse universo…
Eu acho que tá correta. Eu acho que todo mundo tem de ser julgado é pelo juiz natural mesmo, de primeira instância.
Com processos migrando para a primeira instância, é hora de tirar das turmas e devolver as matérias penais contra parlamentares para o plenário?
O plenário tem um número enorme de processos aguardando, com grande importância para o País. No julgamento da ação penal 470 (mensalão) foram praticamente quatro meses, com tudo paralisado. Então, é preciso que a gente realmente só leve ao plenário aquilo que seja conflitante nas turmas. Tudo o mais não precisa.
O julgamento sobre a execução de pena após condenação em segundo grau está entre suas prioridades?
Sou a favor da execução após decisão de segunda instância e tudo o que é importante para o País é prioritário, mas já há decisões consolidadas sobre isso e colocar de novo em pauta pode não ter urgência. Talvez por isso o ministro (Marco Aurélio Mello) não tenha ainda liberado.
Sem a prisão em segunda instância, continua a protelação eterna?
Esse é um problema. Não dá para manter um sistema feito para que se possa protelar para sempre a finalização e o Judiciário não dar uma resposta a isso. Diante de evidências de que a pessoa se vale do direito para litigar indefinidamente, o Poder Judiciário deve usar os instrumentos de que dispõe para dar uma resposta.
E as prisões preventivas?Prisão preventiva é sempre fundamentada, não vejo abuso nenhum.
A delação premiada é tida como fundamental para a Lava Jato, mas há quem, até no STF, defenda a revisão.
A colaboração premiada é um instituto que veio pra ficar e é da maior significação. Não se consegue investigar e apurar dados de uma organização sem alguém lá de dentro.
A colaboração premiada é um instituto que veio pra ficar e é da maior significação. Não se consegue investigar e apurar dados de uma organização sem alguém lá de dentro.Cármen Lúcia, presidente do STFO excesso de benesses da delação da JBS foram um ponto fora da curva?
Talvez tenha sido, mas lei nova precisa ser interpretada e não combatida. E o próprio ex-procurador geral (Rodrigo Janot) pediu a revisão.
Mas depois de um estrago enorme que atingiu o presidente da República.
É uma lição. Eu não sou do MP, mas, diante de fatos graves que agridem a sociedade inteira, imagino que a tendência seja buscar a investigação a qualquer custo. Nesse caso, o custo foi alto mesmo. Mas é preciso, sim, que todo mundo seja investigado diante de determinados relatos.
Janot lançou uma névoa de suspeitas sobre ministros do STF…
Mandei ofício para a PGR e para a Polícia Federal e espero que eles me deem uma solução imediatamente. Não pode pairar nenhuma gota de dúvida sobre a correição, a licitude de todos os atos de ministros do STF ou de qualquer juiz. Até o fim de dezembro, quero uma solução.
O STF e a senhora sofreram desgaste com a decisão das medidas cautelares para parlamentares. Doeu?
Claro que não é bom. É ruim não tanto o desgaste, mas não ter ficado claro o resultado. Eu não consegui dar clareza ao princípio de que você não pode romper a separação de poderes e que cabe à Casa Legislativa manter ou não a decisão judicial de suspender o mandato, como acontece desde sempre em caso de prisão.
Para a opinião pública, o STF abriu mão de seu poder para o Legislativo e saiu enfraquecido.
O STF pode ter saído até mal compreendido e enfraquecido, para usar sua expressão, a partir dessa má compreensão, mas sai fortalecido no sentido de que nós mantivemos a compreensão majoritária de que a Constituição estabelece os três Poderes como base de uma República democrática. A opinião pública queria que a decisão do STF valesse independentemente das consequências para o outro poder, mas o STF fez o que tinha de fazer, como determina a Constituição, que enaltece o mandato para garantir a soberania do voto popular.
Presidentes do STF têm de agir politicamente, além de juridicamente?
Têm a obrigação de pensar no que é bom para o Brasil, em termos políticos clássicos.
Ou seja, evitar crises?
Evitar crises, não. Resolver crises. Mas não pode deixar de raciocinar tecnicamente. O voto que eu apresentei rapidamente, de forma extremamente conturbada, às 22 horas, não tem nada de político, nem poderia ter, até porque o raciocínio político de partidos eu nem tenho.