As eleições americanas e o Brasil de amanhã: cuidado com as falsas esperanças

Por Estevão de Rezende Martins * – Uma coisa é certa: se Trump perder (como se espera) as eleições em 3 de novembro, será um grande alívio pelo mundo afora. Como no caso do Brasil desde a posse do atual governo, perdeu-se a confiança nos governos americano e brasileiro, pois cultivam o sobressalto, as decisões mercuriais, o gosto pela provocação e pela ofensa, a provocação e o conflito, a duplicidade moral e o flerte com o indefinido, as reviravoltas injustificadas, a cumplicidade com a violência, a discriminação, o preconceito, o desrespeito.

Não nos iludamos porém: os Estados Unidos não dão guinadas para outra coisa que não seja o “America first”. Pensar o contrário é absolutamente ingênuo. Assim, com Biden presidente – com sua idade, certamente por um só mandato – haverá mudanças de ênfase, provavelmente mais polidez no trato, mas não súbitas viragens.

Achar que o Brasil terá um aliado incondicional no Partido Democrata e no eventual presidente Joe Biden, é desconhecer – e muito – a realidade social, cultural e política dos Estados Unidos. E ignorar a atual inépcia governamental e diplomática do Brasil.

Apenas se pode esperar, no caso de uma vitória de Biden (e dependendo das maiorias nas casas do Congresso americano), menos bipolaridade no comportamento do governo americano, menos imprevisibilidade, menos agressividade, talvez um pouco menos de “nós cá” e o resto do mundo que se vire.

É provável que o papel dos Estados Unidos como ator global em cenários multilaterais volte a ser valorizado. O que não elide a desconfiança figadal dos EUA para com os países latino-americanos, sempre pensados como quintais aliados, que precisam estar sob constante vigilância. Isso não mudou, em linhas gerais, desde a famosa “doutrina Monroe”.

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. O primeiro é a China. O movimento de importação e exportação entre os EUA e Brasil, em 2019, girou em torno de 30 bilhões de dólares, com déficit de meio bilhão para o Brasil. Em 2020, em oito meses, o déficit sextuplicou e o volume total caiu. Os EUA, apesar das juras de amor do governo federal brasileiro, não estão nem aí. O interesse americano passa à frente. Vale para o aço, para o alumínio, para o etanol…. Não há indícios de que isso venha a mudar.

A China hoje garante praticamente todo o superávit comercial do Brasil no comércio exterior. Curiosa situação: o primarismo político do governo brasileiro agride o país de que mais depende para “ter lucro” (o que vale para todo o comércio com países asiáticos) e morre de paixão pelo governo americano, que o trata mal – inobstante o jogo de cena.

Muitos empresários e negociadores internacionais fazem cara de paisagem com as diatribes brasileiras ou americanas, que agridem seus parceiros comerciais. Business is business, ao que parece. Governos incômodos devem ser contidos ou ignorados. Assegurado, o quanto possível, o mínimo de interferência estatal no mundo dos negócios. E o máximo de vantagens fiscais.

Com um governo democrata nos Estados Unidos, é provável que as agendas de direitos humanos, de ação concertada contra o terrorismo e contra o tráfico internacional de todos os tipos, de sustentabilidade econômica e ambiental ou de atuação combinada contra pandemias (e não só a Covid-19) também voltem à ribalta.

Entre a proclamação do resultado eleitoral e a instalação da nova administração dos EUA, em 20 de janeiro de 2021, teremos cerca de dois meses de acerto de ponteiros. Se Trump for reeleito (a aritmética eleitoral americana é bem arriscada), haverá mais do mesmo – e, diria, pior. Se Biden levar a palma, a transição deve ficar marcando passo, com os republicanos e o presidente em exercício inconformados, a fazer tudo para criar dificuldades e complicar a passagem do bastão.

Já se teve um exemplo dessa atitude com o açodamento em indicar, sabatinar, aprovar e empossar a nova juíza da Suprema Corte. Em situações semelhantes no passado, os republicanos impediram presidentes democratas de fazerem o mesmo. Obviamente isso tem a ver com concorrência política e com maioria no Senado.

Enfim: não parece que o Brasil tenha, no horizonte próximo, perspectivas de melhoria nas relações com os EUA – sob Trump nada de muito glorioso; com Biden, a desconfiança para com o atual governo brasileiro será, provavelmente e com boa razão, motivo de circunspeção e cautela.

*Estevão de Rezende Martins, historiador, é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

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