Por Luciana Ricci Salomoni* – Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM, em inglês WMO), 2023 foi o ano mais quente da história da humanidade, com uma temperatura global média de 1,4°C acima dos níveis pré-industriais; um acréscimo significativo e diretamente vinculado à poluição atmosférica gerada pela queima de combustíveis fósseis, que ainda predominam na matriz energética global, embora não sejam fontes de energia sustentável.
A transição energética representa uma mudança no padrão mundial quanto às fontes de extração e produção de energia que demandam o aumento da participação das energias renováveis, a redução do uso do carvão e outros combustíveis fósseis, propondo a utilização do gás natural como combustível de transição, implicando na busca pelo que alguns chamam de “metais do futuro”, outros se referem como “metais críticos”.
Ao passo em que discussões complexas em torno da transição energética são realizadas em várias partes do mundo, as atividades de extração e processamento de recursos minerais brasileiros para produção de energia são íntimas de crimes socioambientais massivos, alguns deles bastante conhecidos – vide-se o rompimento da barragem de Fundão, outros nem tanto.
A Repar, ou “Refinaria Presidente Getúlio Vargas”, foi inaugurada na cidade de Araucária, estado do Paraná, em 1977 e é operada desde então pela Petrobras, sendo hoje responsável por cerca de 12% da produção nacional de derivados de petróleo.
Por conta da demanda do mercado, a capacidade da Repar foi bastante alargada ao longo dos anos através da implementação de novas tecnologias. Pacificamente, tem-se que, quanto maior a capacidade da empresa, maior o risco e as dimensões de um possível dano socioambiental.
No dia 18/07/2000, portanto, há quase 24 anos, ocorreu um vazamento na Repar de cerca de 4 milhões de litros de petróleo, que é considerado até hoje o maior vazamento de petróleo em território continental já ocorrido no Brasil. O óleo cru percorreu 44 km e os danos extrapolaram o município de Araucária e atingiram uma área de quase 18 hectares (17,7 ha), afetando o rio Barigui, o rio Iguaçu e os lençóis freáticos da região.
As investigações apontaram que a causa do vazamento foi falha humana por inobservância de procedimentos operacionais, e que o vazamento seguiu por 2 horas até que fosse notado. Diante da ocorrência de um crime ambiental, em conjunto com o Ministério Público Federal, o MP-PR propôs uma ação civil pública contra a Petrobrás.
Seguindo uma tendência de mediação em crimes ambientais, a que os mais críticos se referem como “privatização da justiça”, em 2021 as partes celebraram um acordo pelo qual a Petrobrás se obrigou a pagar uma indenização de cerca de R$ 1,4 bilhão às vítimas, dos quais cerca de R$ 920 milhões, a maior fração, foi destinada ao estado do Paraná.
O cumprimento da obrigação de indenizar da Petrobrás ficou condicionado ao adimplemento de determinadas condições das cláusulas do acordo, homologado judicialmente. Dentre as condicionantes, o repasse da indenização foi vinculado ao Fundo Estadual do Meio Ambiente e deve ser aplicado em ações de reparo dos danos e de educação ambiental.
No entanto, o Ministério Público alega que o Instituto Água e Terra (IAT/PR), estaria em vias de receber e dar uma destinação inadequada aos recursos, distinta da prevista no acordo, e por isso pediu a suspensão do repasse da indenização para o estado.
No mês de março de 2024, a Justiça Federal do Paraná manteve, em caráter precário, a suspensão do repasse da indenização da Petrobras ao estado do Paraná que solicitou, em conjunto com o IAT/PR, que o processo fosse encaminhado à Comissão de Demandas Estruturais do TRF4. Dada a complexidade da questão, uma equipe de magistrados foi designada para atuar para que as partes busquem uma solução consensual para o cumprimento do acordo, notadamente quanto à parte da indenização de cerca de 1,4 bilhão de reais – já depositados – que cabe ao estado do Paraná.
Para pensar o futuro, é preciso ponderar o presente. O Brasil tem amplas possibilidades de fortalecimento de matriz energética renovável, potencial florestal e uso da terra, mas para que a transição energética seja possível e justa, é necessário reduzir drasticamente os riscos de crime socioambiental e as negatividades associadas, resguardando a legislação e o ordenamento jurídico.
*Advogada e pesquisadora. Sócia-fundadora da Ricci Salomoni Sociedade de Advogados (RSLaw). Mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Especialista em Direito Ambiental (UFPR), Direito Empresarial (IBMEC) e Direito Processual Civil (Instituto Bacellar), com estudos em Feminismos, Direito da Arte e Patrimônio Cultural pela Academia de Direito Internacional de Haia e certificação ESG pela Universidade de Cambridge. Integrante das Comissões de Direito Ambiental e de Assuntos Culturais (OAB/PR).