Os optometristas tiveram uma conquista histórica na Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de plenário virtual, decidiu de forma unânime (10 votos a zero) que os profissionais com formação superior, em instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação, podem atuar na saúde primária da visão.
Até então, dois decretos promulgados em 1932 e 1934 limitavam a atuação destes profissionais. Uma das limitações era de que a prescrição de óculos e lentes de grau seriam considerados atos privativos de médicos. “A OMS – Organização Mundial da Saúde preconiza que o optometrista é o principal agente da atenção primária da saúde visual. O optometrista é formado em nível superior, com uma graduação de bacharelado de 5 anos, em que é treinado e capacitado para identificar alterações patológicas, oculomotoras e refrativas”, explica Carlos Eduardo Scarpim Winnikes, presidente do Conselho Regional de Óptica e Optometria do Paraná – CROO/PR e coordenador do curso de bacharelado em Optometria da Universidade do Contestado (o primeiro curso superior em optometria do Brasil).
“A avaliação com bacharel em optometria é feita com a melhor qualidade possível. Se for identificada qualquer alteração patológica a nível ocular ou até mesmo uma alteração a nível sistêmica, o profissional encaminha seu paciente para atendimento médico”, completa.
O STF concluiu o julgamento do mérito dos Embargos de Declaração dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 131, uma ação constitucional que questiona a recepção dos decretos de 1932 e 1934), ratificando uma decisão tomada pelo Ministro Gilmar Mendes, em caráter liminar, em 08/10, respondendo a embargos de declaração interpostos pelo Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria (CBOO) e pelo Ministério Público Federal.
O mérito dos recursos de embargos de declaração foram julgados do dia 15/10 até 22/10. O julgamento teve votos favoráveis de todos os 10 ministros em reconhecer que as vedações dos Decretos Presidenciais 20.931/1932 e 24.492/1932 não se aplicam aos profissionais em optometria formados pelo Estado Brasileiro.
Luta jurídica por reconhecimento da profissão atravessa décadas
Esta conquista é resultado de uma ação iniciada em 2008, porém o processo de inconstitucionalização dos Decretos dos anos de 1930 começou com o surgimento dos cursos de nível superior em optometria no Brasil. O próximo passo é a regulamentação da profissão, que vai trazer mais clareza para a sociedade sobre o exercício do profissional optometrista.
Segundo Franklin Kerber, vice-presidente do Conselho Regional de Óptica e Optometria do Paraná – CROO/PR e optometrista, as limitações contidas nos decretos foram fruto de uma política de Estado do Governo Federal da época, que tentava formalizar o mercado de trabalho. “Na área da saúde, Getúlio Vargas promulgou uma série de decretos que limitam diversas profissões, tanto optometristas quanto enfermeiros, ortopedistas, massoterapeutas, entre outras. Uma série de profissões acabam sendo reguladas por esses decretos. Algumas conseguem se estabelecer por meio da formalização do ensino”, explica.
Franklin comenta que na década de 30 o optometrista era um profissional prático, que aprendia seu ofício com um mestre ou tutor, e que ainda não havia ensino formal da profissão no Brasil, diferente do que ocorria em outros lugares do mundo, onde a optometria começava a se desenvolver como ciência (como EUA e Europa, em especial a Inglaterra). “Na época, surgem as faculdades em diversas áreas profissionais, além de cursos técnicos e profissionalizantes. A optometria acaba não conseguindo se estabelecer dessa forma. Por conta dessa limitação, e por não terem acesso à educação formal, os optometristas práticos acabam deixando de existir por algum tempo”.
Quanto à decisão colocada nos decretos de 1932 e 1934, Franklin explica que o conceito de saúde da década era diferente. “Naquela época havia a noção de que a saúde obedecia a uma hierarquia, com o médico no topo, e os demais profissionais subordinados ao médico. Por volta dos anos 70, se defende uma saúde multidisciplinar, de gestão horizontal, sem hierarquia, centrada no cuidado, na atenção primária, na prevenção. Enquanto o restante do mundo tinha na área da saúde visual o optometrista cumprindo esse papel, o Brasil tinha uma lacuna a ser ocupada, pela própria ausência do profissional optometrista”.
A partir da década de 80 surge um movimento pela optometria no Brasil. Busca-se a formalização através do ensino técnico, depois no ensino superior. No final da década de 90 surgem os primeiros cursos universitários de optometria. “Como no Brasil, os decretos de 1932 e 1934 proibiam esse profissional de abrirem consultórios, demorou muito para ser instalado o primeiro curso de nível superior no Brasil, na UNC, de Canoinhas, em 1997, tendo a primeira turma formada apenas em 2001”, relata Carlos Eduardo Scarpim Winnikes, professor do curso e presidente do CROO/PR.
“Em todo esse tempo, quem ocupou o espaço da atenção primária foi o médico oftalmologista. Agora, com mais de 20 anos depois de curso superior, e outras faculdades já estando no mercado, temos de 5 mil a 10 mil profissionais de nível superior. No sistema de saúde visual que funciona no resto do mundo, o optometrista fica na linha de frente da atenção primária”, completa. Hoje, os optometristas com formação superior atuam inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS).
Franklin Kerber destaca a importância do trabalho conjunto entre optometristas e médicos em outros países, respaldada por importantes instituições de saúde. “Mundialmente, órgãos internacionais defendem o trabalho do optometrista na atenção primária e como agente preventor da cegueira evitável, que é o grande propósito do optometrista. É o caso da OMS – Organização Mundial de Saúde, da OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde, e do próprio Conselho Internacional de Oftalmologia. Esses órgãos defendem a parceria entre oftalmologistas e optometristas, cada um no seu nível de atenção, para prover saúde visual de qualidade e acesso para a população de um modo geral. É isso que nós defendemos, é isso que nós esperamos para o futuro da saúde ocular e visual no Brasil”, afirma Franklin.