PF encontra despacho em que Moro manda grampear autoridade com foro

De Daniela Lima, do UOL.

O material apreendido pela PF, que inclui relatórios de inteligência cuja síntese o UOL teve acesso, estava omitido nas gavetas da Vara e traz a transcrição de escutas a desembargadores do TRF-4 e políticos com foro privilegiado, sustentando as queixas de delatores de que o ex-juiz os usava para monitorar autoridades fora de seu alcance legal.

Assim como desembargadores, o presidente do Tribunal de Contas do Paraná só poderia ser investigado mediante autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A gravação ocorreu em fevereiro de 2005. Cinco meses depois, Moro determinou formalmente que o delator repetisse a tentativa de escuta.

Além desse material, a Polícia Federal apreendeu registros de gravações envolvendo desembargadores que integravam à época o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), responsável por revisar decisões da Justiça Federal no Paraná.

Essas escutas foram realizadas por outro colaborador da Vara, o advogado Sérgio Costa. Assim como no caso do presidente do TCE, magistrados com essa prerrogativa só poderiam ser investigados por decisão do STJ.

A ordem de busca e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba foi expedida pelo ministro Dias Toffoli, após sucessivas solicitações do Supremo Tribunal Federal por documentos, fitas e gravações que não haviam sido encaminhados à Corte, mesmo depois da saída de Moro da magistratura.

Toffoli apura denúncias de que delatores teriam sido usados para monitorar autoridades fora do alcance legal do então juiz, com o objetivo de pressioná-las posteriormente. O procedimento tramita sob sigilo.

Moro nega as acusações e afirma que se baseiam em relatos fantasiosos de criminosos condenados.

Imagem: Arte/UOL

O primeiro a levar as queixas ao Supremo foi o ex-deputado estadual Tony Garcia, que firmou acordo de delação premiada com Moro há 21 anos após passar cerca de 30 dias preso.

Entre 2004 e 2005, ele atuou por ordem de Moro realizando gravações telefônicas e ambientais, inclusive com câmeras ocultas em seu escritório. Um policial federal chegou a ser designado para acompanhar as atividades, atuando como secretário.

Relatórios de inteligência eram enviados periodicamente ao então titular da 13ª Vara. Parte relevante desse material, no entanto, nunca foi juntada aos autos.

Essa omissão foi apontada por Garcia ao STF e confirmada pela Polícia Federal, que encontrou documentos e mídias guardados na primeira busca e apreensão já realizada em uma Vara Federal.

Os relatórios mencionam desembargadores do TRF-4 em situações de foro íntimo, muitas vezes expressando temor de terem sido gravados.

As referências aparecem de forma genérica, como títulos de arquivos. Um deles, por exemplo, traz o nome de um magistrado acompanhado da descrição: “com medo de que as fitas das festas vazassem, contou para a mulher que foi filmado”.

No caso do então presidente do TCE-PR, havia registros sumários da gravação em relatórios encaminhados ao STF, mas a íntegra do áudio nunca havia sido revelada.

O material permaneceu guardado nas gavetas da 13ª Vara, o que permitiu que Moro, hoje senador pelo União Brasil, classificasse publicamente as acusações como fantasiosas.

Imagem: Arte/UOL

 

A coluna teve acesso à transcrição da gravação completa. São cerca de 40 minutos de áudio, transcritos em aproximadamente 20 páginas. Nela, tanto o delator quanto o presidente do TCE criticam a atuação de Moro.

“Na verdade, ele é polícia, é promotor e é juiz”, afirma Heinz Herwig. Em outro momento, Tony Garcia reclama do método do magistrado: “Tudo o que você fala ele diz que é mentira. Quem cair na mão desse cara está ferrado”.

A investigação sobre Heinz consta expressamente no acordo de delação firmado por Tony Garcia e assinado por Moro. O termo determina que fosse apurado o eventual envolvimento do presidente do TCE com uma grande empresa do setor alimentício, hoje em falência.

“O beneficiário se compromete a testemunhar e trazer prova documental”, registra o acordo.

No diálogo gravado, o tema aparece de forma lateral, tratado com desdém por Heinz. O foco da conversa recai sobre a pressão exercida pela Justiça. Tony relata a prisão e a busca em sua casa. “Eles estão querendo aparecer”, diz Heinz.

“Querem fazer negócio”, responde o delator. “Agora, quem corre risco? Corro risco eu, corre risco você.” Heinz concorda: “Eu, claro”.

Autoridades com foro privilegiado voltam a ser mencionadas ao longo da conversa —conteúdo que, por lei, deveria ter sido submetido à avaliação de tribunais superiores, o que não ocorreu.

Em despacho de julho de 2005, ao analisar os relatórios da Polícia Federal, Moro escreveu:

“Considerando os termos do acordo, reputa este Juízo conveniente tentativas de reuniões, com escuta ambiental, com Roberto Bertholdo, Michel Saliba e novamente com Heinz, visto que as gravações até o momento são insatisfatórias para os fins pretendidos”.

Procurado, Sergio Moro afirmou, por meio de sua assessoria, que a investigação em curso no STF se baseia em “relatos fantasiosos do criminoso condenado Tony Garcia”.

Ele disse ainda que a colaboração ocorreu entre 2004 e 2005 e que não teve acesso aos autos atuais do inquérito, razão pela qual não poderia comentar o material.

 

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