O presidente do Senado Federal , Rodrigo Pacheco (PSD-MG) projeto de lei que sugere um novo rito para os processos de impeachment contra autoridades. O PL 1.388/2023 dá prazo para que o presidente da Câmara dos Deputados decida se aceita a denúncia por crime de responsabilidade contra o presidente da República. Outra novidade é a possibilidade de denúncia por partidos políticos, sindicatos e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A matéria aguarda distribuição para as comissões permanentes da Casa.
O texto é resultado de um anteprojeto proposto por uma comissão de juristas instalada no ano passado por Rodrigo Pacheco. Presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), o grupo recomendou a revogação da Lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento.
“A atual Lei de Crimes de Responsabilidade foi pensada para um outro contexto social, político e constitucional que não o nosso. Sua vigência até os dias atuais deu-se às custas de recepção parcial pela Constituição de 1988, que a tornaram uma lei lacunosa, incompleta e inadequada. As disposições mostraram-se, no mínimo, anacrônicas e desatualizadas”, avalia Pacheco na justificativa do projeto.
O PL 1.388/2023 amplia o rol de autoridades sujeitas a processos de impeachment. Além do presidente e do vice-presidente da República, podem ser denunciados por crime de responsabilidade:
- ministros e comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
- ministros do STF;
- membros dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público;
- procurador-Geral da República;
- advogado-geral da União;
- ministros de tribunais superiores;
- ministros do Tribunal de Contas da União (TCU);
- governadores e vice-governadores;
- secretários de estados e do Distrito Federal;
- juízes e desembargadores;
- juízes e membros de tribunais militares e tribunais regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho;
- membros dos tribunais de contas de estados, Distrito Federal e municípios; e
- membros do Ministério Público da União, dos estados e do Distrito Federal.
Crimes do presidente
O projeto tipifica uma série de novos crimes de responsabilidade. No caso do presidente da República, eles são divididos em cinco grandes áreas. Uma das novidades é a seção exclusiva para crimes contra as instituições democráticas, a segurança interna do país e o livre exercício dos poderes constitucionais.
O projeto classifica como crime decretar estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal sem os requisitos previstos na Constituição. O mesmo vale para o emprego das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem sem previsão legal.
O texto pune o presidente da República que constituir, organizar, integrar, manter, financiar ou fazer apologia de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Outro crime previsto é fomentar a insubordinação das Forças Armadas ou dos órgãos de segurança pública.
Instalada durante a pandemia de coronavírus, a comissão de juristas tipificou como crime deixar de adotar as medidas para proteger a vida e a saúde da população em situações de calamidade pública. Na seção de crimes contra o exercício dos direitos e garantias fundamentais, o projeto lista, entre outros, os seguintes delitos:
- estimular a prática de tortura ou de tratamento desumano ou degradante;
- praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de origem, raça, cor, idade, gênero, etnia, religião ou orientação sexual; e
- incitar civis ou militares à prática de violência de qualquer natureza.
O PL 1.388/2023 traz ainda um rol de crimes contra a existência da União e a soberania nacional, contra a probidade na administração e contra a lei orçamentária. Ao todo, o projeto classifica como crime de responsabilidade pelo menos 38 condutas do presidente e do vice-presidente da República.
Militares e magistrados
O texto também tipifica crimes cometidos por magistrados e comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Entre os militares, passa a ser crime expressar-se por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos político-partidários, incitar ou participar de greve ou motim e realizar ou permitir atividades de inteligência com desvio de finalidade.
No caso dos magistrados, a regra vale para ministros do STF, dos tribunais superiores e do TCU, além de juízes e desembargadores e membros dos tribunais de contas de estados, Distrito Federal e municípios. Entre outras condutas, é considerado crime:
- participar de julgamento sabendo estar impedido;
- exercer atividade ou manifestar opinião político-partidária;
- manifestar opinião sobre processos ou procedimentos pendentes de julgamento;
- receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou de entidades públicas ou privadas, exceto as destinadas a atividades de cunho acadêmico;
- revelar fato ou documento sigiloso de que tenha ciência em razão do cargo; e
- proferir voto, decisão ou despacho estando fora da jurisdição.
Processo de julgamento
Ao definir regras claras para o processamento dos casos de impeachment, o PL 1.388/2023 também cobre uma lacuna da legislação em vigor. Nos dois episódios recentes de impedimento de presidentes da República, por exemplo, o STF precisou ser acionado para fixar um rito processual. Dos 81 artigos do projeto de lei, 60 detalham o caminho que deve ser percorrido do início ao fim da ação: denúncia, abertura de processo, instrução, defesa e julgamento.
O texto prevê a produção de provas documentais, testemunhais e periciais, além da manifestação da acusação e da defesa. Na fase de instrução, a autoridade acusada fica afastada da função por até até 180 dias. Durante o julgamento, o órgão competente deve avaliar as provas e a gravidade dos atos praticados antes de decidir definitivamente sobre a acusação.
Nas denúncias apresentadas contra presidente e vice-presidente da República, ministros e comandantes das Forças Armadas em crimes conexos, a denúncia e a autorização para abertura do processo tramitam na Câmara dos Deputados. As fases de instrução, defesa e julgamento cabem ao Senado. Os senadores também processam e julgam crimes de responsabilidade cometidos por ministros do STF, procurador-geral da República, advogado-geral da União e membros dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público.
As Assembleias Legislativas e a Câmara Legislativa do Distrito Federal julgam governadores, vice-governadores e secretários. O STF fica com os casos atribuídos a ministros de tribunais superiores e do TCU, além de chefes de missão diplomática de caráter permanente e ministros de estado e comandantes das Forças Armadas em crimes sem conexão com o presidente da República.
Denúncia
A atual Lei de Crimes de Responsabilidade permite que qualquer cidadão denuncie o presidente da República ou um ministro de estado por crime de responsabilidade na Câmara dos Deputados. Basta que o cidadão assine a denúncia com firma reconhecida e apresente documentos que comprovem a acusação.
O PL 1.388/2023 mantém a possibilidade de o cidadão pode oferecer denúncia contra as autoridades. Mas o pedido deve preencher os requisitos da iniciativa legislativa popular. No âmbito federal, a Constituição exige a assinatura de um por cento dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados da Federação. Em cada um deles, é preciso no mínimo três décimos dos eleitores.
O projeto também autoriza que algumas entidades ofereçam a denúncia. É o caso de partido político com representação no Poder Legislativo, OAB, entidade de classe ou organização sindical em funcionamento há pelo menos um ano.
A denúncia por crime de responsabilidade é apreciada preliminarmente pelo presidente da casa legislativa competente. A lei em vigor não estabelece um prazo para essa decisão, mas o PL 1.388/2023 dá 30 dias úteis para o parlamentar decidir se acolhe ou não a denúncia.
Se não ele não se manifestar nesse prazo, a acusação é arquivada. Se acatar a denúncia, o presidente da casa legislativa ainda precisa submeter a decisão à deliberação da Mesa.
O texto prevê a criação de uma comissão especial, que terá 20 dias uteis para decidir sobre o encaminhamento da denúncia ao Plenário. Nesse prazo, o colegiado deve realizar diligências para esclarecer os fatos narrados na denúncia. A comissão pode convocar testemunhas. Nesta fase, o acusado tem amplo direito de defesa e pode inclusive prestar depoimento pessoal.
Se, por maioria simples, a comissão especial decidir pelo encaminhamento da denúncia, o caso é levado ao Plenário em votação aberta e nominal. Se o denunciado for o presidente ou o vice-presidente da República, ministro de estado ou comandante das Forças Armadas, a denúncia precisa ser aprovada por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados. Nos demais casos, a abertura pode ser aprovada por maioria simples da casa legislativa. Autorizada a abertura do processo, o julgamento continua mesmo em caso de renúncia.
Impeachment de presidente
Nos processos contra presidente e vice-presidente da República, ministros e comandantes das Forças Armadas, a autorização da Câmara é encaminhada ao Senado. Uma comissão especial formada por senadores indicados pelos líderes partidários deve analisar documentos e ouvir testemunhas.
Antes de instaurar o processo por crime de responsabilidade, os senadores precisam decidir sobre a admissibilidade da denúncia. Se a comissão especial concluir pela instauração do processo, o parecer do colegiado é levado ao Plenário. A aprovação depende da maioria simples de votos dos senadores.
Caso a denúncia seja admitida, o presidente do STF assume o comando do Senado para instaurar e conduzir o processo de impeachment. O acusado é afastado das funções, mas, se o julgamento não for concluído em 180 dias, ele pode voltar e permanecer no cargo até o final do processo.
A sessão de julgamento depende da presença da maioria dos membros da Casa. Após a leitura do parecer da comissão especial, começam os debates orais entre acusação e defesa. Após essa fase, o acusado é arguido pelos senadores, mas pode permanecer em silêncio.
Depois da arguição do acusado, os parlamentares começam a discutir a acusação. Só após essa fase de debates é que o presidente da sessão pode colher os votos dos julgadores. Os senadores devem responder “sim” ou “não” à seguinte pergunta: “Cometeu a autoridade acusada o crime que lhe é imputado e deve ser condenada à perda do cargo?”
Pena
Se for considerada culpada por dois terços dos senadores, a autoridade perde o cargo público. Neste caso, o presidente da sessão realiza uma segunda votação para decidir sobre a perda dos direitos políticos por até oito anos.
O prazo de inabilitação deve levar em conta antecedentes, personalidade e conduta social do acusado, além de motivos, circunstâncias e consequências do crime de responsabilidade. O projeto proíbe a imposição de outras penas — como multa, perda de bens, prisão, exílio ou deportação. (Da Agência Senado; foto: Edilson Rodrigues/Ag. SEnado).).