O STF e o risco de um espetáculo vergonhoso

(por Rubens Bueno*) – A crise no Supremo Tribunal Federal (STF) em torno do julgamento de recursos sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância inflou uma polêmica que, vista a luz do Direito internacional, não deveria nem ter sido levantada. Até o ano de 2016, a não ser no Brasil, nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, suspendia a execução de uma condenação até que a questão fosse analisada pela Suprema Corte. Em países como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Espanha o princípio da efetividade das decisões judiciais prevalece sobre o preceito da presunção de inocência.

No entanto, o entendimento utilizado pelo STF até 2016 desprestigiava as decisões judiciais, gerando desconfiança sobre as instâncias inferiores. Além do mais, contribuía para o aumento das ocupações do tribunal, confrontando o preceito da duração razoável do processo.

De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, a Constituição Federal não condiciona a prisão, mas sim a culpabilidade, ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O pressuposto para a privação de liberdade é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, e não sua irrecorribilidade. Além do mais, a presunção de inocência é princípio e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes.

Não se pode interpretar o princípio da presunção de inocência de forma absoluta e literal, senão em conjunto com outros princípios e normas constitucionais e legais, implicando na repressão a interposição de recursos protelatórios; na valorização da jurisdição ordinária; e no combate à impunidade.

Nesse sentido, a Suprema Corte brasileira analisou em 2009 o texto da Carta Magna de 1988 que estabelece expressamente o princípio da presunção de inocência. Tal preceito estabelece que o indivíduo acusado por alguma prática delitiva não será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em 17 de março de 2016, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, firmou entendimento no sentido de que é possível a execução provisória de pena depois de sentença penal condenatória confirmada por Tribunal de segundo grau de jurisdição, e que esta inteligência não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. A maioria dos ministros entendeu que o preceito se exaure após a confirmação da decisão penal condenatória em segundo grau, pois, nessa fase, encerra-se o exame dos fatos e das provas.

A decisão igualou o Brasil a maioria dos países do mundo dando fim a uma “jabuticaba jurídica” que incentivava a impunidade, principalmente para os crimes de colarinho branco. Esperamos que agora o STF não volte atrás e arraste o país para o retrocesso. A sociedade clama por mecanismos que aprimorem o combate a corrupção, seja ela praticada por quem quer que seja.

Se os nobres ministros derrubarem o entendimento de 2016 para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e salvá-lo da prisão tenho certeza que a sociedade irá reagir, e com razão. Um dos efeitos práticos disso seria a soltura de milhares de presos que já cumprem pena após a condenação em segunda instância. Claro que cada caso deve ser analisado separadamente, mas corremos o risco de que uma decisão do STF abra a porta das celas para a “fuga legal” de uma legião de criminosos que se locupletaram com o dinheiro público. Espero que a Corte não protagonize esse espetáculo vergonhoso.

(*) Rubens Bueno é deputado federal do Paraná pelo PPS.

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