O discurso na ONU: vergonha, desdouro, mácula.

“A mentira é como uma bola de neve, quanto mais rola, mais aumenta”. – Martinho Lutero (Sprüche, Aussprüche, Anekdoten, 1983). “A impunidade gera a audácia dos maus”. – Carlos Lacerda.

Por Estevão de Rezende Martins * – O discurso de abertura da assembleia geral anual da ONU é uma dessas oportunidades de ouro. O Brasil é o país que usa primeiro da palavra, numa tradição cortês sem obrigação, há mais de setenta anos.

Em 2020, queiram desculpar, parece ter sido um desperdício.

Usualmente os cidadãos de um país gostariam de poder dizer, a quem queira e a quem não queira ouvir, o quanto se orgulham da estatura moral e política de seus dirigentes.

Não é necessário ter escolhido esse ou aquele dirigente, não é necessário concordar com tudo a todo momento, mas espera-se que o dirigente esteja à altura do cargo e do encargo.

Em 22.9.2020, a sensação é a de o Brasil ter à frente de seu governo um nanico político e moral. De quem sequer seus eleitores deveriam vangloriar-se – ao menos a maioria esclarecida. Os que se regozijam com suas atitudes tornam-se cúmplices do tsunami de inépcias e mediocridades que empurram o Brasil morro abaixo e abismo adentro.

Nem é necessário dizer que os chauvinistas tupiniquins vibraram com o discurso na ONU. É preciso ter um mínimo de decoro para entender que não há país no mundo, por opção ideológica que seja, que possa se dar ao luxo de estar sempre 100% contra tudo e contra todos. Sobretudo não um país que precisa dos demais para ter fluxo de empréstimos para financiar seus investimentos (quando sabe fazê-los) e sua impagável dívida.

John F. Kennedy disse em 1961, ao tomar posse, que não adianta ficar querendo encontrar culpados no passado e pelo passado, mas sim que interessa mais construir um futuro corrigido.

O presidente do Brasil pelo jeito (não creio que alguém ainda duvide disso) não lê, e se lê, não entende nem aprende. E se aprende (tenhamos uma pitada improvável de otimismo), não se sabe o quê, onde ou porquê. O que preconiza não lhe é próprio nem serve para o país como um todo e para os mais necessitados como missão urgente. Falta-lhe mesmo a capacidade de projetar um futuro qualquer para o país: ou repete o que lhe sussurram ao ouvido ou resmunga aborrecidamente queixumes quanto ao passado.

Não adianta rosnar irritadamente que é preciso “deixar o homem trabalhar”. Ele não trabalha – atrapalha. A si, a seu governo, ao país.

O discurso proferido na assembleia virtual das Nações Unidas está recheado de distorções e inverdades, e quando não empulha ou tapeia, nada mais diz do que corriqueiros lugares comuns ou resultados que não se devem à ação do presente governo federal.

Coloca-se no mesmo patamar de um Hugo Chávez, da Venezuela que tanto despreza, cujos ataques histéricos retóricos causavam ruído, atraíam pouca atenção e ensejavam irônicos sorrisos de desdém. Se lembrarmos de Nikita  Kruschev (na ONU, em 1960), só faltou tirar o sapato e dar na mesa.

Pelas reações no Brasil e mundo afora, o governo e seu chefe falam sozinhos e para si mesmos. A taxa de credibilidade de seus ditos é tão baixa que os principais Estados estrangeiros e os mais importantes investidores internacionais balançam as cabeças, franzem os sobrolhos e ficam pasmos ao constatar a empáfia do discursante.

O teor do discurso nem convence nem apazigua os ânimos – basta ver as cobranças que se acumulam com respeito às cláusulas do acordo União Europeia-Mercosul. A desconfiança atinge a política brasileira e o improvável entendimento entre os parceiros mesmos do Mercosul. Entre Brasil e Argentina – as duas maiores economias do bloco – imperam no momento hostilidade e ranger de dentes.

Ou seja: mais perde o Brasil, internacionalmente, por ser maculado por tal discurso presunçoso. Nem mesmo para inglês ver. Aparentemente o atual governo acharia que tem força para desenterrar a machadinha de guerra e indispor-se com o resto do mundo.

Não seria melhor transferir logo o país para outro planeta? Lá não haveria vizinhos.

* Estevão de Rezende Martins, historiador, é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

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