“A cidade não para, a cidade só cresce/o de cima sobe e o de baixo desce” [Chico Science] –
Por Luiz Claudio Romanelli* – O Catar é um dos países mais ricos do mundo em relação ao PIB per capita. Neste ano vai sediar a Copa do Mundo de futebol e a seleção brasileira já está classificada para a disputa. Mas tem uma outra coisa que nos aproxima daquele pedaço do Oriente Médio. A concentração de renda. No ranking global de 2019 eles ficaram em primeiro lugar e o Brasil na segunda posição.
Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), divulgado antes da pandemia, mostra que no Brasil 1% da população mais rica detinha 28,3% da renda do País. Se pegarmos os 10% mais ricos, veremos que esta fatia detém 41,9% da renda nacional. No Catar, 29% do dinheiro está nas mãos de 1% dos mais ricos.
Em relação à Copa ficamos em extremos opostos. A seleção brasileira pode disputar a taça, enquanto o time deles terá dificuldades para passar da primeira fase. Essa diferença que existe na qualidade do futebol bem que poderia se repetir no campo socioeconômico, de forma inversa. A lógica para ter um Brasil menos desigual é ficar o mais abaixo possível da classificação do Catar.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que o Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo. No Índice Gini de 2018, usado pelo Banco Mundial para medir o grau de concentração de renda, a nossa nota foi 0,539, abaixo de Botsuana (0,533). Somos o único sul-americano na lista dos dez piores, onde figuram diversas nações africanas.
A desigualdade social faz parte da história brasileira desde seu descobrimento, mas de tempos em tempos ela se mostra de forma mais aguda. A crise provocada pela covid-19 escancarou, mais uma vez, o péssimo quadro em que vivemos. Mais de 30% da população precisou de algum tipo de socorro emergencial para sobreviver.
Este período de caos social e econômico provocado pela pandemia revela, de novo, que o peso das desigualdades não é pequeno para o País. Aproximadamente R$ 500 bilhões foram gastos pelo governo federal somente em auxílios. Na primeira onda, os benefícios alcançaram 68 milhões de brasileiros. Hoje, a conta é que ainda temos 20 milhões de pessoas vivendo na linha da miséria.
O mercado de trabalho evolui muito lentamente e ainda temos um dos piores índices de desempregados entre as 20 maiores economias do mundo. As projeções de curto e médio prazo não são animadoras, porque o PIB nacional também patina, e a alta dos juros reduz consumo e investimentos. Sem crescimento não tem emprego.
Muitos economistas acreditam que completaremos, em 2025, uma década com desemprego acima de dois dígitos. Os ricos provavelmente ficarão mais ricos, enquanto a classe média será espremida para pagar a conta. Na camada mais vulnerável da sociedade, os pobres ficarão mais pobres, com a pouca renda sendo consumida pela inflação.
O combate às desigualdades é feito no Brasil do mesmo modo que enfrentamos desastres como o que ocorreu em Petrópolis. Após a tragédia é que o Estado se mexe, contrariando o dito popular que ensina que é melhor prevenir do que remediar. Mas neste País do improviso, em que as autoridades deveriam corar de vergonha pelo que falam e pelo que deixam de fazer, a escolha é não dar atenção ao povo.
O desafio mais urgente que se impõe ao Brasil é de encontrar um caminho de prosperidade que possa ser trilhado por todos. Precisamos de estratégias, planejamento, estabilidade e previsibilidade para desenhar este Norte. Precisamos restabelecer as relações republicanas, retomar o respeito de um pelo outro e estabelecer o diálogo como forma de construir soluções.
Do contrário, seguiremos prisioneiros da máxima do escritor Lewis Carrol, autor de Alice no País das Maravilhas, de que qualquer rumo serve para quem não sabe onde quer chegar.
* Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná