Por Luiz Cláudio Romanelli* – Curitiba tem um histórico de movimentos eleitorais pendulares. Quem acompanha o quadro político da capital nos últimos 40 anos sabe que as eleições municipais sempre guardam surpresas. Ao traçar uma linha do tempo, pode-se entender muita coisa. Então, voltemos a 1985, na primeira eleição para prefeitos após o fim da ditadura militar.
Roberto Requião era o azarão da disputa contra Jaime Lerner (PDT), que aparecia com cerca de 60% nas pesquisas. Muita gente no próprio PMDB torceu o nariz para a possibilidade de uma candidatura requianista, sob o argumento de que as intenções de voto não passavam de 3%. A corrida eleitoral contava ainda com o ex-governador Paulo Pimentel (PDS), Edésio Passos (PT), Bento Chimelli (PTB), Newton Bonin (PDC) e Elíria Timm (PH).
Depois de uma discussão interna renhida, e de uma convenção que ficou na memória dos “emedebistas velhos de guerra”, Requião e Adhail Sprenger Passos, escolhido como vice, foram para a disputa da prefeitura de Curitiba com um grande movimento de rua. Abertas as urnas, a chapa do PMDB recebeu 227.248 votos (45,4%), enquanto Lerner, que já acumulava duas gestões como prefeito indicado no período da ditadura, mas que naquela eleição representava o “socialismo moreno” de Leonel Brizola, teve 208.384 votos (41,7%), uma diferença de apenas 19 mil votos.
Em 1988, o quadro se inverteu. Naquele ano, a surpresa foi o retorno de Lerner, que havia mudado o domicílio eleitoral para o Rio de Janeiro. O favoritismo era de Maurício Fruet (PMDB), ex-prefeito de grande inserção popular, que a certa altura acumulava mais votos que a soma de concorrentes como Algaci Túlio (PDT), Airton Cordeiro (PFL) e Enéas Faria (PTB). Uma chicana jurídica permitiu a transferência do domicílio eleitoral fora do prazo, os três candidatos renunciaram às candidaturas e formaram uma aliança, com Lerner como candidato na campanha dos 12 dias, vencendo a eleição, com 57% dos votos.
Quatro anos depois, na primeira eleição para prefeito com dois turnos, Fruet voltou a ser candidato pelo PMDB e tinha a preferência do eleitorado. Ele enfrentou o jovem deputado estadual Rafael Greca (PDT), que fazia parte do núcleo político de Jaime Lerner, mas não era o candidato do grupo. Na linha sucessória estavam Carlos Ceneviva e Cássio Taniguchi. Greca, contudo, surpreendeu com uma articulação partidária intensa e ganhou a indicação. Saiu atrás de Fruet na disputa, mas logo tomou a frente nas pesquisas e foi eleito no primeiro turno, com 51,9% da votação.
A eleição de 1996 marcou o início da era das urnas eletrônicas e também acabou no primeiro turno. O grupo lernista finalmente emplacou Cássio Taniguchi (PDT), um candidato de perfil técnico, com pouco jogo de cintura, mas que obteve 54,7% dos votos, vencendo Carlos Simões (PSDB), que ficou com 30,3%. Contudo, a grande novidade foi a votação improvável alcançada por um candidato do PT. Angelo Vanhoni cravou expressivos 10,9% dos votos.
O desempenho de Vanhoni alimentou a chama da centro-esquerda entre os curitibanos por quase uma década. Em 2000, Vanhoni liderou as pesquisas durante boa parte do período eleitoral, tendo uma eleição quase ganha, com ampla vantagem sobre Taniguchi, que concorria à reeleição. A disputa foi para o segundo turno e o resultado foi 51,4% para o então prefeito e 48,5% para a candidatura do PT. Uma situação pitoresca nesta disputa foi a participação dos irmãos Maurício e Eduardo Requião, pelo PMDB e PDT, respectivamente.
O ano de 2004 teve um recorde de candidatos, com 12 concorrentes à Prefeitura de Curitiba. Um dos concorrentes era Beto Richa (PSDB), vice-prefeito sem o apoio de Taniguchi. Os dois romperam e o prefeito escolheu Osmar Bertoldi (PFL) como candidato à sucessão. O PT apostou outra vez na boa performance de Vanhoni, agora já vitaminado com as vitórias de Lula e Requião, e com apoio do PMDB. Também estavam no processo o deputado estadual Mauro Moraes (PL) e o deputado federal Rubens Bueno (PPS).
Beto Richa não era favorito, mas surpreendeu. Começou uma campanha modesta com reuniões em bairros e consultas públicas para discutir suas propostas. A interação com a população moldou e consolidou sua estratégia eleitoral. Ele deixou Bertoldi para trás e passou para o segundo turno. Mais uma vez, do outro lado estava Ângelo Vanhoni, que obteve votação expressiva no primeiro turno, mas no final, Richa venceu por 54,7% a 45,2% dos votos válidos.
Em 2008, Richa teve uma reeleição tranquila, com 77,2% dos votos no primeiro turno. Seus oponentes foram candidatos de centro, centro-esquerda e esquerda: Gleisi Hoffmann (PT) – a segunda mais votada, com 18,1% -, Carlos Moreira (PMDB), Maurício Furtado (PV), Ricardo Gomyde (PCdoB), Fábio Camargo (PTB), Bruno Meirinho (Psol) e Lauro Rodrigues (PTdoB).
Com alta aprovação popular, Richa concorreu ao governo em 2010, deixando a prefeitura nas mãos do vice Luciano Ducci (PSB). Dois anos depois, apesar da boa avaliação, Ducci sequer foi para o segundo turno. Uma surpresa que ficou ainda maior com a vitória de uma coligação de centro esquerda, liderada por Gustavo Fruet, com PDT, PV e o PT, contra a chapa encabeçada pelo atual governador Ratinho Junior, na época no PSC.
Mais quatro anos se passaram e o pêndulo mudou de lado. Em 2016, Rafael Greca surpreendeu após alguns insucessos nas urnas, inclusive em 2014, quando não foi eleito deputado federal. Levantou sua candidatura pelo pequeno PMN, tendo como vice Eduardo Pimentel (PSDB). Naquela eleição, os curitibanos também deixaram de fora do segundo turno o então prefeito Gustavo Fruet (PDT), a surpresa no pleito anterior na aliança com o PT.
Greca acabou disputando o segundo turno contra outra candidatura competitiva, a do deputado estadual Ney Leprevost (PSD). Apesar das propostas diversas, os dois se alinham mais à centro-direita no campo ideológico. Por fim, Greca venceu o pleito com 53,7% dos votos válidos, contra 46,3% do oponente. Depois, o prefeito renovou o mandato em 2020, com quase 60% da votação.
Esse retrato de Curitiba nos últimos 40 anos mostra que a população é aberta à experimentação, como essa de levar a candidata Cristina Graeml para o segundo turno. Ao mesmo tempo, o curitibano não quer perder o que a cidade lhe oferece de bom, suas referências e suas conquistas históricas. Por isso, não vai aceitar promessas que soam como retórica de botequim, sem lastro e consistência.
Que credibilidade tem este espetáculo de malabarismos e mágicas, com atos de ilusionismo que beiram o absurdo e o bizarro, que foi apresentado em São Paulo e Curitiba pelos que se chamam de “anti-establishment”? Triste ver os que foram “capturados” pelo show da “mudança”, como se o “sistema” fosse um vilão unidimensional.
Na democracia, é natural que a disputa de poder enseje movimentos pendulares. Na busca por espaços políticos, o “anti-sistema” obviamente busca visibilidade atacando o “sistema”. Quando o primeiro ganha do segundo, o discurso se inverte. O fato é que uma eleição não pode ser brandida como uma revolução de insensatos que querem usar a etiqueta surrada de ser contra tudo.
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbano, é deputado estadual e líder do PSD na Assembleia Legislativa do Paraná