Em longo texto divulgado na noite desta quarta-feira (15), o Ministério Público do Paraná cobra do governo estadual explicações sobre a decisão de suspender as medidas restritivas que haviam sido impostas há duas semanas. Decreto do governador Ratinho Jr. abrangia sete Regionais de Saúde e 134 municípios do estado que deveriam seguir recomendações da secretaria da Saúde para que apenas setores essenciais fossem poupados do fechamento total. Esperava-se, com este decreto, medir os efeitos de contenção dos índices de contágio pelo coronavírus no Paraná.
Entretanto, diz o Ministério Público, a decisão de suspender o decreto não atende aos critérios inicialmente definidos – a pandemia continua se expandindo no estado, com mais casos e mais óbitos, somados a deficiências no atendimento por UTIs e falta de insumos médico-hospitalares, enquanto cresce também o afastamento de profissionais da linha de frente contaminados pelo Covid-19.
A nota reconhece a enorme pressão do empresariado para a liberação das atividades, mas alerta para o compromisso com a “defesa prioritária, contextualizada na ordem jurídico-constitucional, da vida e da saúde da população, diante do inegável avanço do contágio.”
Leia a íntegra da nota do MP:
Manifestação do MPPR
A respeito da não renovação do Decreto Estadual 4.942/2020, manifesta-se contrariamente o Ministério Público do Estado do Paraná, sobretudo pela ausência de indicativos objetivos que motivadamente justificassem e embasassem tal decisão administrativa, ou seja:
i) evidência do declínio do número de pessoas contagiadas e internadas,
ii) identificação de progresso nas estratégias de mitigação dos efeitos da enfermidade, em face de setores mais fragilizados da atividade econômica,
iii) alívio na pressão por serviços nas UPAs e na rede hospitalar Covid e não-Covid,
iv) demonstração de alguma superação, mesmo que parcial, da crise crítica de abastecimento de fármacos (que estão em falta), especialmente relaxantes musculares, anestésicos e pré-anestésicos, imprescindíveis no manejo de pacientes graves, particularmente em UTIs,
v) apresentação de dados ou pesquisas que demonstrassem o maior convencimento e engajamento da população na política pública de afastamento social,
vi) publicização, afinal, de como se deu a efetiva e concreta “utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática”(art. 7., VII, LF 8080/80) e sua valorização estratégica;
vii) efetivo reconhecimento e empoderamento dos serviços de vigilância em saúde, com o correspondente suprimento de meios indispensáveis a sua atuação (no estado e nos municípios);
viii) superação pelo estado da situação de dificuldade estrutural para publicização de sua matriz de risco, por meio da qual se pudesse divulgar parâmetros técnicos e científicos em saúde, para além do horizonte das notas orientativas do COE/SESA e de alguns atos administrativos de caráter normativo esparsos, de forma a possibilitar a si próprio, estado, seus profissionais, e, em certa medida aos municípios, critérios objetivos que dessem a conhecer à sociedade – e aos profissionais de saúde – uma mensuração de riscos real para manter melhor controle das atividades produtivas e da circulação humana possíveis em dado momento em cada território, propiciando tomada de decisões, as mais corretas e em tempo oportuno, por parte dos gestores, em matéria de saúde.
Indispensável transpor a aparente contradição entre o discurso, de um lado retórico ao estimular o fortalecimento do controle social ampliado, enquanto de outro, a propiciar a constante e evolutiva liberação, por decretos de vários entes federativos, de atividades não essenciais, ferindo a definição do que sejam as mesmas, tal como previsto do Decreto Federal 10.282/20 (art. 3º), abrandando o isolamento social e talvez comprometendo a oferta de serviços àqueles acometidos pela Covid-19. Essa prática, pela antítese que encerra, há de ser superada pela adoção de medidas concretas que sinalizem pela prevalência e centralidade da vida humana, fornecendo sinais claros à sociedade neste sentido.
A não reedição das normas do Decreto 4942, diante do quadro expansivo do contágio em nosso meio, revela que houve um retrocesso. Ainda que não representasse ele um standard ideal de controle e proteção, significou um passo à frente. Possuía maior assertividade que seus predecessores. Estabelecia providências mais impositivas, na sua essência defensáveis técnica e juridicamente, e que constituíam um plus em relação à mera exortação aos municípios.
Simples orientações gerais, faltosas de controle, conduziram a vários desses entes federativos à expedição de atos alheios ao regramento então em vigor, quando não explicitamente contrário às suas disposições. As consequências foram percebidas nos indicadores crescentes de morbi-mortalidade que se seguiram, não tendo sequer minorado a instabilidade econômica da região.
Torna-se vital reaver a unidade federativa, a unidade organizacional congruente formada pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, distribuídas a estados e municípios. Voltarmos à essência mais profunda que, na Constituição Federal, delega legalmente a gestores o provimento à população de ações e serviços de saúde suficientes, tempestivos e adequados, destinados à população e na guarda e controle das circunstâncias prejudiciais a eles relacionadas.
É possível que o novo e preocupante quadro que se apresenta se desassocie até da própria noção do sistema de saúde, como concebido no modelo sanitário brasileiro. Corre-se o risco de se transmitir a impressão de se abdicar, neste ponto, da função estatal de coordenação e controle de serviços essenciais principalmente para o momento, tal qual está previsto no art. 17, IV, da Lei nº 8.080/90.
A regressão, que ora se presencia, à falta de outros elementos de informação que a elucidem (dispensadas as generalidades de ocasião), é indutora de dificuldades ainda mais agudas na gestão da rede de serviços de saúde e de dificuldades crescentes, que também se sentirão na fiscalização das situações condicionantes e determinantes da saúde, expressas no art. 3º, da Lei nº 8.080/90, que tão influentes têm sido no momento atual.
Mas, talvez, o pior efeito é o de sugerir a todos indiscriminadamente que o presente quadro da Covid-19, pela não renovação do decreto, está supostamente sob controle suficiente, que atingimos patamar descenso nos indicadores, como se fosse possível, ainda neste momento, abandonar medidas mais específicas, necessárias e, sobretudo, protetivas da vida e da saúde das pessoas. Disso resulta, e se impõe, reorganizar o quadro de luta contra a evolução cruel do novo coronavírus no Paraná, inclusive por parte do MPPR, estabelecendo novos parâmetros de resposta institucional.
Não se desconhece a enorme pressão do setor econômico pela paralisação que, de fato, causa graves consequências no plano da normalidade da vida social, provocando grandes apreensões e agudas dificuldades. Contudo, reafirma o Ministério Público do Paraná seu compromisso com a defesa prioritária, contextualizada na ordem jurídico-constitucional, da vida e da saúde da população, diante do inegável avanço do contágio.
Até prova em contrário o governo do PR, embora não diga, está alinhado com o Bolsonaro, por questão de fé e de insensibilidade. Portanto o MP não irá encontrar nas justificativas nada de científico e se procurar bem, só irá encontrar a expressão “Imunidade de Rebanho”.