Em 1991, os Estados Unidos viviam o complexo de vira-latas decorrente da vergonhosa derrota na guerra do Vietnã, 20 anos antes. Os vietcongs, com suas armadilhas de bambu, tinham humilhado a poderosa máquina mortífera norte-americana. Foi o enterro do orgulho de uma nação que combateu e venceu duas guerras simultâneas, na Europa contra o nazismo, no Pacífico contra o Japão, e que detinha enorme poderio nuclear, que dominava o espaço. A derrota no Sudeste asiática ainda doía muito.
O presidente George Bush (o pai), no entanto, recuperara o orgulho perdido ao lançar a cinematográfica Guerra do Golfo, transmitida ao vivo e em cores pela televisão. E ganhara prestígio enorme, o que por certo lhe garantiria a reeleição no ano seguinte. Apesar da recessão profunda que dizimava empregos, reduzia a produção, lançava milhões de americanos na pobreza (claro, pobreza pelos padrões deles), ainda assim seria reeleito com facilidade.
Mas daí apareceu Bill Clinton, um até então desconhecido governador do estado caipira do Arkansas, tendo a seu lado um marqueteiro chamado James Carville, que sacou que Bush poderia, sim, ser derrotado. Foi o marqueteiro que cunhou a frase decisiva para mudar o sentimento dos eleitores americanos em relação ao seu presidente. “É a economia, estúpido!”, dizia ele – mais do que um slogan, um sucinto “programa de governo”.
Clinton e Carville enfrentaram a tarefa de virar o jogo. O orgulho pela vitória na Guerra do Golfo era muito menos importante do que recuperar os empregos, fazer o país voltar aos seus dias de glória como maior potência econômica mundial, distribuir bem-estar e reavivar o tal sonho americano de prosperidade e riqueza para todos.
Deu certo: Clinton derrotou Bush por ter tirado de cena um sentimento secundário para colocar no palco as coisas que realmente interessavam à vida real do povo.
Este fato histórico deveria servir de lição para os candidatos que disputam estas eleições, no primeiro e segundo turnos. Falta menos de uma semana para que 150 milhões de brasileiros acorram às urnas para escolher entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad – mas quase ninguém destes 150 milhões foi levado a se interessar pelo que realmente importa. Ninguém ouviu dos candidatos propostas que reavivassem o lema de Clinton/Carville: “É a economia, estúpido!”.
De fato, passamos a campanha inteira ouvindo pouco sobre sair da crise econômica e social em que o país se afundou para, em vez disso, discutir questões evidentemente secundárias (não se está dizendo que não sejam importantes!), como modos de combater a violência (se matando os criminosos ou se esvaziando prisões); ideologia de gênero (se menino pode brincar de boneca ou se tem direito de se definir quanto às várias opções sexuais); se as urnas eletrônicas foram fraudadas ou se o WhatsApp está influenciando demais a tendência dos eleitores… e assim por diante.
Mas “é a economia, estúpido!” que está em jogo. E, nesse campo, foram ralas e rasas as propostas que ganhassem status para séria e objetiva reflexão quanto ao futuro do país do ponto de vista do fortalecimento das instituições e do crescimento econômico, do desenvolvimento social E com a ênfase necessária sobre a abertura de oportunidades, para o empreendedorismo, para a oferta de melhores serviços de saúde, de educação, segurança, infra-estrutura…
Ninguém sabe o que realmente pensam os dois candidatos sobre o essencial, como a reforma tributária ou a previdenciária. E o que pensam e falaram ontem sobre estes assuntos, já não vale para hoje e, seguramente, não repetirão amanhã. Navegam sobre estes temas conforme a onda, com o astrolábio voltado para o que pode circunstancialmente dar mais voto. E por isso mudam-se até os programas de governo registrados no TSE, adaptando-os aos ventos eleitorais. Convicção mesmo, nenhuma.
Há quem vote num candidato porque ele pensa que “bandido bom é bandido morto” e há também quem vote no outro porque ele mostra mais simpatia pelo direito (legítimo, não se nega) das pessoas de optarem pelo gênero de preferência – se hétero, homo ou trans.
Mas, voltando, “estúpidos!”, e a economia? O brasileiro vai pagar menos imposto? Ótimo, que digam como fazer isso sem aprofundar o desequilíbrio fiscal. O país é governado pelo troca-troca corrupto que enriquece grandes empresas e agentes públicos graças ao aparelhamento do estado? Quanto isto custa para a economia, para a vida cotidiana dos brasileiros, para os que esperam por uma aposentadoria decente, para todos nós que temos direito a uma educação de qualidade, para quem está na fila para receber tratamento de saúde?
Alguém ouviu propostas consistentes e responsáveis para a reforma política? Alguém sabe o que os candidatos realmente pensam sobre a reforma da previdência? E sobre a trabalhista? Alguém sabe com alguma precisão de que tamanho será o Estado sob o comando de um dos dois candidatos? Um tamanho gigantesco em que tudo caiba não importando se as receitas serão suficientes? Ou um Estado mínimo em que se entregará à iniciativa privada serviços estatais indelegáveis? Como proteger da ambição estrangeira a exploração das riquezas nacionais, desde as terras agricultáveis até às profundezas do pré-sal?
Citaram-se aí em cima um poucos exemplos da vaguidão quanto ao que prioritariamente importa que levará os eleitores às urnas. Os brasileiros elegerão um novo presidente sem saber como será o país sob o comando de um deles.
Tudo porque se recusaram, por motivos meramente eleitoreiros, a reconhecer que o que deve mover o país na direção do futuro “é a economia, estúpido!” Preferiram o caminho mais fácil das causas secundárias e propositalmente se esqueceram do principal.