O psicógrafo que o Contraponto mantém de plantão acaba de informar a transcrição de uma carta do dramaturgo Dias Gomes, que vê revivido em Curitiba, pelas artes de Valdomiro, o mais famoso de seus personagens – Odorico Paraguaçu, prefeito de Sucupira. Dias Gomes se considera homenageado. Por isso, enviou do além a seguinte missiva:
Muitíssimo prezado Valdomiro.
Talvez você me conheça de nome. Duvido que de leitura, de TV ou teatro. Pois sei da sua erudição e gosto por coisas mais refinadas que a arte popular brasileira, acostumada a retratar uma cultura pouco afeita às filigranas européias. Certamente você deve preferir livros de Dante Alighieri, Giovanni Boccaccio, Goethe, Thomas Mann, Proust. Música só de Puccini, Verdi, Rossini, Bizet, Mozart. Óperas são a única coisa realmente audível para seus rebuscados tímpanos…compreensível. Teatro, só o clássico: os gregos, Shakespeare, Racine, Molière. Arte religiosa é seu forte. Acho que combina com sua personalidade digamos, barroca. Isto é um elogio, entenda.
Mas, dirijo-me respeitosamente a você como forma de agradecimento e reconhecimento pela homenagem que você cotidianamente vem prestando à minha obra. Especialmente a um personagem que sempre me foi muito caro. Acho que você não conhece, mas é um prefeito (como você) chamado Odorico Paraguaçu, de uma fictícia cidade baiana, Sucupira.
Odorico – vivido pelo inesquecível Paulo Gracindo – era um clássico político brasileiro. Com discursos histriônicos e carregados de termos impagáveis (muitos deles improvisados pelo ator) principalmente dirigidos a seus opositores. Nessa sua nova gestão, vejo muito de Odorico em você. Seu gosto por discursos grandiloquentes em feiras-livres, em pontos de ônibus, seu pendor natural por gestos midiáticos como lavar calçadas, a criatividade digna de um Dali ao propor um “pipódromo”… tudo remete de forma atualizada e repaginada ao meu Odorico.
Claro que com muito mais verniz. Com muito mais erudição. Mas suas tiradas são engraçadas. Sabe que você faria muito sucesso se resolvesse abandonar a política? Você tem humor, criatividade e rapidez de raciocínio. Mas não force muito a mão. Tentar ser o “Bem-Amado” só com factoides não dá muito certo. Na obra original, ele, Odorico Paraguaçu, acabou sendo vítima de sua própria obsessão política. Acabou ele mesmo inaugurando o que considerava sua grande obra: o cemitério de Sucupira. Entenda apenas como uma metáfora.
Um graaande abraço.
D.G.
O nosso Valdomiro Paraguaçu até amealha alguma arte brasileira, desde que ela tenha antes passado pelas mãos da família Klemtz.