Uma família curitibana está fazendo novo apelo à França para que seja respeitada a lei brasileira e um acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o famoso caso da mãe – psicóloga e professora universitária – que foi obrigada, de forma violenta, a deixar a filha, hoje com 10 anos de idade, sob a guarda do pai, em território francês. A família já provou que houve muitos erros, tanto na justiça brasileira quanto na francesa, e quer a menina de volta para que ela possa viver em Curitiba com a mãe e os avós. Os apelos nesse sentido têm sido feitos há muito tempo.
Nos últimos meses, parece que “há um vento diferente” e uma esperança renovada sobre o caso, diz um parente da criança. Ele informa que os ministérios das Relações Exteriores e da Justiça e Segurança Pública estão ouvindo a família e desenvolvendo ações em Brasília e em Paris para que a França acate a decisão do STJ, transitada em julgado, revogando a sentença de primeira instância da Justiça Federal do Paraná que mandou devolver – de forma irregular – a criança ao pai. “O que ainda falta é uma ação mais intensa e contundente da Advocacia Geral da União (AGU) para que o pesadelo finalmente acabe”, acrescenta o familiar.
Tudo começou em 2010 quando a psicóloga curitibana foi fazer um doutorado em Paris e conheceu o seu ex-companheiro. Do relacionamento, nasceu uma filha (2013), mas durante a gravidez foi agredida e xingada pelo francês, que chegou a cogitar a realização de um aborto. Vítima de violência doméstica, ela decidiu voltar ao Brasil em 2014 com a criança, com a devida permissão do pai.
Um ano mais ou menos da volta das duas ao Brasil, o pai denunciou a psicóloga de ter sequestrado a própria filha. Ele invocou a Convenção de Haia, tratado que determina regras sobre a repatriação crianças em casos de sequestro internacional. E entrou com ação na Justiça Federal do Paraná. Antes, porém, ela já havia acionado a Justiça Estadual para garantir a guarda na filha e permanecer em Curitiba.
Aberto o processo na Justiça Federal, a psicóloga apresentou todos os documentos, inclusive a condenação do pai pela violência doméstica. A França mandou os documentos. A juíza federal encarregada do caso determinou que fossem cumpridas condições para liberar a volta das duas a Paris, como segurança e vida estável para elas. Todavia, a juíza entrou em período de licença e o juiz substituto o retorno delas, sem ter uma garantia de que a justiça francesa faria valer a salvaguarda. O magistrado mandou a Polícia Federal cumprir mandado de busca e apreensão. E houve violência nesse cumprimento, segundo o parente da criança. Em novembro de 2016, as duas desembarcaram em Paris.
Ao pisar no aeroporto, a mãe teve de entregar a menina e foi imediatamente presa. É que o pai havia entrado com ação penal contra ela no judiciário francês por sequestro da filha. Ela nem sabia desse processo. A psicóloga ficou detida por dois dias – a prisão foi revogada. Apesar de ter sido colocada em liberdade, ela não poderia ficar sozinha com a filha, não poderia sair da França e teve de entregar passaporte e documentos. As restrições duraram três meses. Por uma decisão provisória da justiça francesa, a guarda da criança ficou com o pai. A mãe continuou em Paris para responder ao processo, vivendo com a ajuda da família e trabalhando como babá e cuidadora de animais. Ela ficou 14 meses na capital francesa e, em 2018, voltou Curitiba. Sem a filha, que sonha em viver no Brasil.
O caso chegou a ser denunciado no Senado Federal e um abaixo-assinado, pedindo a volta da menina, reuniu 25 mil assinaturas. Na justiça federal foi provado que houve erros de procedimento. Numa ação cível, o pai foi condenado em primeira instância por fraude processual, conluio e litigância de má-fé. A condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O processo foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o acórdão transitou em julgado em fevereiro de 2022.
Enquanto isso, por determinação do pai, os avós não podem falar com a neta. E a mãe se comunica com ela duas vezes por semana (quarta-feira e domingo) pelo WhatsApp e consegue vê-la duas vezes por ano (julho e dezembro).
Hoje, 274 mães brasileiras têm o mesmo problema. A psicóloga curitibana, que espera o cumprimento da lei e da decisão judicial, dá atendimento voluntário às mulheres que vivem idêntico pesadelo. E mantém a luta e a esperança de ter a guarda da filha em pouco tempo.