A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) retomou, durante a sessão plenária desta segunda-feira (5), a discussão do projeto do Executivo que pretende instituir o programa Mesa Solidária e regulamentar a distribuição de alimentos na capital. Por proposição do Jornalista Márcio Barros (PSD), os vereadores aprovaram a realização de audiência pública, dia 22 de abril, para o debate da proposta com representantes do poder público e da sociedade civil. Acatada em votação simbólica e unânime, a atividade terá início às 14 horas, com transmissão em tempo real pelos canais do Legislativo no YouTube, no Facebook e no Twitter.
“No meu ponto de vista, [o projeto] deveria ser retirado”, avaliou Márcio Barros, presidente da Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública da CMC. Para o propositor da audiência, o ponto positivo da mensagem é organizar a entrega das doações: “Organização nunca vai ser demais”. No entanto, o vereador criticou, dentre outros pontos, a previsão de multa, após a aplicação de advertência, a pessoas e a entidades que descumprirem as regras.
Além dos integrantes do colegiado, pontuou ele, a audiência pública é aberta à participação de todos vereadores. Segundo Márcio Barros, a atividade foi agendada para o dia 22, e não antes, “porque precisamos ouvir as entidades”, a exemplo do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da População em Situação de Rua do Paraná. Ele parabenizou o líder do prefeito, Pier Petruzziello (PTB), e o secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Luiz Gusi, pelo entendimento que levou à retirada da urgência, na semana passada, antes que o requerimento fosse votado.
O presidente da Casa, Tico Kuzma (Pros), destacou que a ideia é chegar a um consenso sobre a proposta de lei. “Se for necessário, podemos fazer mais audiências públicas”, afirmou. Ele pediu que Márcio Barros convide, por meio da Comissão de Direitos Humanos, os órgãos que assinam ofício conjunto encaminhado à CMC, na semana passada. Anexado ao projeto, o documento foi remetido pela Presidência da Casa aos gabinetes parlamentares.
O ofício é assinado pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná; pela Defensoria Regional de Direitos Humanos; pela Defensoria Pública da União; pelo Ministério Público do Trabalho, por meio da Procuradoria Regional da 9ª Região; e pelo Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos Humanos. Com a justificativa de “uma deliberação legislativa mais afinada com o interesse público e o respeito aos direitos e garantias fundamentais”, os signatários pedem que o projeto seja debatido em audiência pública.
O documento também requer que a proposta de lei não tramite em regime de urgência. Protocolada na última segunda-feira (29), a mensagem foi mote de um requerimento de urgência, prejudicado com a retirada de assinaturas de vereadores. Ou seja, a proposição para o regime diferenciado não chegou a ser votada e a matéria segue o trâmite regimental.
Debate na sessão – O projeto foi o principal tema dos pronunciamentos dos vereadores nesta manhã, desde o pequeno expediente da sessão plenária. Além de Márcio Barros e de Tico Kuzma, a discussão foi abordada por outros 13 parlamentares. Todos se manifestaram contra a possibilidade de multa, após notificação, às pessoas físicas e jurídicas que infringirem a regulamentação proposta para a distribuição de alimentos.
“Todos, sem exceção, são contra vários pontos deste projeto”, reforçou Jornalista Márcio Barros. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos, é necessário, mais que a entrega das refeições, levar uma contrapartida à população em situação de rua. “Precisa de um documento. Isso é cidadania. Precisa de casa. A rua não é moradia”, citou.
“O certo seria a prefeitura retirar o projeto”, opinou Denian Couto (Pode). Ele sugeriu que a iniciativa fosse debatida, após a pandemia, com a sociedade civil. “É um absurdo instituir multa a quem quer fazer solidariedade.” O vereador rebateu publicação do prefeito Rafael Greca de que seria mentirosa a possibilidade de os voluntários serem multados, dispositivo previsto no artigo 15 da proposição. Também argumentou que a discussão não é ideológica e que “Curitiba está passando vergonha e vexame nacional”. “É ruim para quem recebe e é ruim para quem doa”, pontuou.
Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, Carol Dartora (PT) também pediu a retirada da mensagem, para que sejam primeiramente ouvidas as entidades que atuam junto à população em situação de rua e em situação de vulnerabilidade. “Infelizmente, desde 2016, a fome se tornou novamente uma realidade no Brasil, o Brasil voltou ao mapa da fome. E em Curitiba isso não tem sido diferente. A gente sabia que essa crise sanitária, a pandemia, agravaria todas as desigualdades”, observou. As ações de solidariedade, completou, têm auxiliado também “o sustento de muita gente, de muitas famílias”.
De acordo com Professora Josete (PT), o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba (COMSEA), no qual ela representa a CMC na condição de ouvinte, não foi consultado sobre o projeto de lei. “Todos nós fomos pegos de surpresa quando este projeto foi protocolado”, justificou. A vereadora voltou a defender o diagnóstico da população em situação de rua na capital, para a criação de políticas públicas mais efetivas, e questionou os critérios para a assinatura dos regimes de urgência. Ainda em sua avaliação, o conteúdo proposto é “higienista e punitivista”. “O programa em si é interessante [o Mesa Solidária].”
“Quando ouvi Mesa Solidária, fui um dos que assinei sim [o regime de urgência]”, admitiu Ezequias Barros (PMB). Em sua opinião, a melhor opção seria a retirada da proposta de lei: “O projeto, como está, meu voto é não”. “Consideramos este projeto autoritário”, disse Indiara Barbosa (Novo). “Não concordamos com a forma como foi feito e com a punição. A prefeitura não consegue fiscalizar muitas vezes o que precisa e daí quer fiscalizar e punir as pessoas que estão ajudando”, continuou.
Líder da oposição, Renato Freitas (PT) defendeu que o projeto é “desumano, absurdo e inconstitucional, ilegal”, além de “anticristão”. “Será que não é para tirar as pessoas do cartão-postal”, questionou o presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua. “Do jeito que está, eu sou terminantemente contra este projeto. Nossa cidade precisa ser exemplo, como sempre foi, em todos sentidos”, afirmou Sargento Tânia Guerreiro (PSL). “Não é hora de multar agora. Punir mexendo no bolso.”
“Quem dera tivéssemos tido a oportunidade de discutir em audiência pública antes da apresentação do projeto”, ponderou Dalton Borba (PDT). Ele argumentou que a matéria “é uma machadada no peito da Constituição da República” e, assim como Renato Freitas, questionou o apoio a requerimentos de urgência a propostas de sua iniciativa, referentes à pandemia. “Este projeto é sobretudo inconstitucional”, acrescentou Denian Couto, sobre a violação de direitos fundamentais.
“É nítido que foi um erro. Tenho certeza que o prefeito e sua equipe estão arrependidos. A hora é totalmente imprópria”, disse Alexandre Leprevost (Solidariedade). O primeiro vice-presidente da CMC lembrou de sugestão de sua iniciativa, aprovada na semana passada, para a arrecadação de alimentos nos pontos de vacinação contra a Covid-19. “Sou contra a forma que está. Não à multa”, opinou João da 5 Irmãos (PSL). “A normativa é interessante [o programa]. Essa Mesa Solidária precisa ser efetivo na cidade de Curitiba”, afirmou Noemia Rocha (MDB), contrária à multa e à urgência.
“Quem tem fome tem urgência. Precisamos sim buscar soluções”, avaliou Mauro Ignácio (DEM). “[O texto] necessita sim de adequações. Essa questão de multa acho que foi equivocada.” O vereador criticou, no entanto, a “política rasa” contra o Executivo: “Eu entendo que o prefeito Rafael Greca queria organizar o fluxo [das doações]. Que a comida chegue ao lugar certo, com apoio do poder público sim. Vamos fazer tudo que seja possível para que este projeto seja um marco nesta cidade. Sem agressão, sem ofensas”.
“Não é só no Centro que se concentram as pessoas em situação de vulnerabilidade, nos bairros também. É uma realidade nacional”, pontuou Hernani (PSB). Ele rebateu críticas de Renato Freitas à não assinatura de regime de urgência a projeto do líder da oposição e defendeu a organização do sistema de doações, para que todas as pessoas sejam contempladas. “Às vezes a pessoa vai ser atendida por três ou quatro entidades e vamos deixar outra pessoa passar fome”, justificou.
O que diz o projeto? – Protocolado no dia 29 de março, o projeto de lei do Executivo aguarda instrução da Procuradoria Jurídica (Projuris) da CMC. Depois seguirá para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e demais colegiados permanentes, antes de poder ser incluído na ordem do dia.
A mensagem pretende instituir em Curitiba o programa Mesa Solidária, vinculado à Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN) e sujeito à fiscalização de um comitê. A iniciativa contemplaria a população em situação de vulnerabilidade e risco social, inclusive a população em situação de rua. Segundo o Executivo, o objetivo é a “promoção de direitos sociais, elencados pela Constituição Federal, tornando-se um parâmetro de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e, unificados a ele, elementos básicos, como o acesso ao alimento e/ou à higiene”.
Ao propor parâmetros à organização das doações, tanto às pessoas físicas quanto às entidades da sociedade civil, o projeto diz que a ideia é evitar o desperdício de alimentos ou sua escassez, assim como “o acúmulo de resíduos orgânicos e rejeitos nas vias públicas, ocasionando a proliferação de pragas e vetores urbanos, e, consequentemente, trazendo riscos à saúde da população em situação de rua”.
“Não obstante, em tese, pela ausência de controle sanitário desta prática, os alimentos distribuídos nestas circunstâncias carregam riscos biológicos, químicos e físicos, a um grupo populacional que apresenta agravos de saúde”, completa a justificativa, assinada pelo prefeito Rafael Greca.
O fornecimento das refeições, indica a proposta de lei, poderá utilizar os restaurantes populares ou espaços físicos, sanitariamente adequados, das administrações regionais. Ainda, caso isso não seja possível, os logradouros públicos de Curitiba.
Como pré-requisitos para participar do programa, pessoas físicas e jurídicas precisariam efetuar cadastro junto à SMSAN. Os autorizados poderão ser identificados por crachás, faixas, camisetas ou uniformes. Para buscar a “distribuição homogênea” dos alimentos, as entregas ocorreriam em datas, horários e locais pré-determinados pelo poder público.
Infringir as regras – como a ausência de cadastro ou de identificação; a distribuição de alimentos fora das datas, horários ou locais determinados; o desacato a autoridades; e o descumprimento de legislações sanitárias – poderia resultar em advertência aos voluntários. No caso de reincidência, em multa de R$ 150 e R$ 550, conforme a gravidade do fato, e na exclusão do Mesa Solidária. Se aprovada pelos vereadores e sancionada pelo prefeito, a lei será regulamentada em até 90 dias após a publicação no Diário Oficial do Município (DOM).