Por Ana Claudia Cericatto* e Letícia de Bomfim* – Sabe-se que as plataformas digitais são facilitadoras para a realização diversos tipos de serviços, entre eles, o transporte de coisas e pessoas, serviço que tem como principal protagonista a empresa Uber, gerenciada por meio de uma plataforma digital que lida com a mobilidade urbana e oferece diversas alternativas de transporte na cidade.
Os trabalhos de plataformas digitais promovem a ideia de um mercado mais flexível e lucrativo, tanto para os seus clientes quanto para seus parceiros. No entanto, tal realidade passou a ser questionada por muitos, sobretudo pelos motoristas, sobre um possível reconhecimento de vínculo de emprego e melhora nas condições de trabalho.
Em que pese seja um dos assuntos mais discutidos na seara jurídica trabalhista nos últimos anos, não há como não mencionar a inoperância e inércia do legislador sobre o tema. Muitos projetos de lei em relação à matéria foram criados, mas não chegaram a ser votados.
Isso fez com que os trabalhadores de plataformas digitais, e, especialmente, os motoristas de aplicativos, permanecessem no que alguns doutrinadores chamam de zona cinzenta.
Tal realidade, no entanto, parece estar prestes a mudar com o novo projeto de lei, que traz uma série de regras visando melhorar as condições de trabalho dos motoristas que atuam por meio de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros.
O projeto reconhece os motoristas como uma nova categoria, denominada “Trabalhadores Autônomos por Plataforma”, garantindo-lhes alguns direitos trabalhistas e previdenciários, como a inclusão na categoria de contribuintes individuais para o Regime Geral de Previdência Social.
No caso de auxílio-maternidade, por exemplo, as mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS. Além disso, o projeto estabelece uma remuneração mínima horária, garantindo uma base financeira aos motoristas, o que pode proporcionar maior segurança financeira e estabilidade.
No que se refere à jornada de trabalho, o projeto de lei prevê que o período máximo de conexão do trabalhador em uma mesma plataforma não poderá ultrapassar doze horas diárias, e, para receber o piso nacional, deverá realizar uma jornada de 08 horas diárias efetivamente trabalhadas. Quanto à remuneração, está previsto que o trabalhador deverá receber R$32,09 por hora de trabalho.
Em contrapartida, apesar do reconhecimento de alguns direitos trabalhistas, os motoristas são classificados como autônomos por plataforma, o que os exclui de diversas proteções e benefícios garantidos aos trabalhadores com vínculo empregatício. Embora haja uma remuneração mínima estabelecida, o projeto deixa em aberto a definição dos custos a serem considerados para o cálculo dessa remuneração, o que pode gerar controvérsias e eventual subvalorização do trabalho dos motoristas.
A negociação coletiva também é prevista no projeto. Porém, as condições estipuladas não podem ser derrogadas por pactuação individual, o que pode limitar a capacidade dos motoristas de negociarem melhores condições de trabalho de acordo com suas necessidades específicas. Além do mais, apesar da remuneração mínima, a variação na demanda pode levar a flutuações na renda dos motoristas, causando instabilidade financeira e certa insegurança.
Em resumo, não há dúvida sobre o avanço quanto à segurança jurídica nas relações entre motoristas de aplicativos e plataformas. Contudo, o projeto de lei mencionado ainda deve render alguma controvérsia no Congresso Nacional.
- Ana Claudia Cericatto é advogada trabalhista, pós-graduada em Processo do Trabalho pela Ematra-PR. Atua no escritório Andersen Ballão Advocacia.
- Letícia de Bombim é bacharel em Direito. Atua no escritório Andersen Ballão Advocacia.