Declaradamente insatisfeito com o PSL – partido que abrigou sua candidatura à Presidência -, Bolsonaro postou uma foto no Facebook vestindo camiseta com uma inscrição sintomática: “Meu partido é o Brasil”.
Após seguidas estocadas contra a legenda e contra seu presidente – “o Bivar está queimado”, disse – Bolsonaro dá indicações de que descarta a participação do PSL em seu projeto de reeleição em 22022. Mas tem problemas jurídicos: se se filiar a uma nova agremiação – a nova UDN e os Conservadores, ambos em criação.
Qualquer decisão envolve problemas financeiros e questões legais. Do ponto de vista da legislação, em princípio os deputados que quiserem seguir Bolsonaro num novo partido incorrerão poderão incorrer nas limitações da fidelidade partidária, que abre poucas janelas sazonais para permitir trocas.
De outro lado, uma debandada em massa de parlamentares que integram a Câmara Federal – critério para a definição dos milionários fundos partidários – conta a reação da direção e dos deputados mais fieis. A diminuição das bancadas empobreceria o partido, hoje aquinhoado com o segundo maior bolo de recursos públicos, cerca de R$ 8 milhões mensais.
A história política de Bolsonaro mostra que ele não se apega a partidos. Em 23 anos de atuação parlamentar, ele foi filiado a oito diferentes partidos. Evitou apenas os de esquerda, mas passou pela maioria dos demais. O último, antes de oportunisticamente se filiar ao PSL para concorrer a presidente, assinou fichas em quase todos os outros.
Mas há questões de fundo para explicar a indisposição que Bolsonaro devota aos partidos, como se vê nesta análise do jornalista Carlos Andreazza publica no Globo.
Bolsonarismo versus democracia representativa
Mais uma vez – para surpresa de quem? –, vê-se Jair Bolsonaro investir, publicamente, contra o próprio partido. Agora, pedindo a um apoiador – em resumo – que esquecesse o PSL. Tem método nisso; apenas mais um avanço, talvez nem sequer o mais explícito, no projeto de depreciação do sistema partidário, do valor da democracia representativa, que é componente fundamental na agenda do bolsonarismo.
É o que está em jogo: mais do que disputa (que há) pelo controle do caixa, a desqualificação persistente do sistema partidário – da atividade política e, logo, do próprio Parlamento – em prol da ascensão personalista do líder carismático.
Em resumo, conforme a mentalidade bolsonarista pontifica diariamente: quanto menos estrutura de representação, quanto menos mediação política, mais campo para o governante populista haverá; para que espalhe o corpo de seu plano de permanência.
É uma obviedade. A democracia representativa – que tem no Legislativo sua maior expressão – é um empecilho a um programa de concentração personalista de poder. O bolsonarismo – de natureza autocrática – é hostil ao conceito de partido; uma estrutura a ser subjugada, instrumentalizada, apenas um gatilho técnico para sustentar aquela modalidade de democracia que se legitima somente por organizar eleições.
Jair Bolsonaro nunca teve relação com partido – com qualquer dos vários em que esteve – que não meramente utilitária: uma plataforma formal obrigatória para a disputa eleitoral. E nunca se preocupou com, digamos, desvios dentro dos partidos pelos quais passou. Ou não teria estado no PTB, nem ficado anos no PP. Ele sempre desprezou partidos. Não há novidade; somente evolução.
Uma vez presidente, esse desprezo – que é da essência do fenômeno antiliberal que encarna – apenas se intensificou, convertendo-se em ação, em movimento: seria necessário banalizar, eventualmente criminalizar, apregoar como atraso, algo a ser tirado da frente, a ideia de partido – essa impessoalidade. Nada como a mensagem radical de fazê-lo contra o próprio partido. Há, contudo, um caminho até aqui.
Façamos um esforço de memória para lembrar como surgiu o PSL na equação que resultaria no triunfo eleitoral de Bolsonaro. Ele era do PSC, e foi no PSC que pôs em campo a bem-sucedida empresa de construção de sua persona político-eleitoral. Quem não se lembra do então deputado federal sendo batizado, no rio Jordão, pelo pastor Everaldo? Eles não tardariam a romper, porém. A disputa municipal de 2016, com Flavio Bolsonaro concorrendo a prefeito do Rio, mostrou a Bolsonaro, na prática, que o pastor não estava disposto a entregar – não com porteira fechada – o partido ao objetivo particular (e exclusivo) bolsonarista.
Veio o tal Patriota. Quem se recorda? O partido, inclusive, fez um evento para apresentar Bolsonaro como seu candidato à Presidência. A associação – jamais formalizada – não demoraria a ruir. De novo: o dono do partido queria preservar seu quinhão e não aceitava entregar a propriedade de porteira fechada ao bolsonarismo. Foi quando Gustavo Bebianno entrou em campo. Foi quando surgiu o PSL. O partido do “queimado” Luciano Bivar.
O entendimento seria rápido, e o projeto de poder dos Bolsonaro alugaria o PSL com facilidade – com submissão absoluta aos desejos do líder populista. Bivar aceitou entregar tudo (com exceção de Pernambuco), exatamente como lhe fora demandado – inclusive a presidência do partido, da qual se afastaria, durante o processo eleitoral, para dar lugar a Bebianno.
Bivar pode ser “queimado”, mas é macaco velho. Entendeu – na hora – que poderia colher muitas vantagens no futuro, ao retomar o comando do partido, depois das eleições, talvez tendo o presidente da República, e certamente (o que lhe importava) tendo uma bancada expressiva no Congresso, algo sem precedentes para o PSL – o que significaria muito dinheiro do fundo partidário.
O acordo foi claro. As apostas, certeiras. O bolsonarismo alugou o PSL para abrigar formalmente – como simples hospedeiro – seu projeto autoritário, personalista, de poder (mas sempre em trânsito para sair). Bivar, por sua vez, entregou o PSL contando em receber, adiante, um partido rico. Aí está. Simples. Foi bom para todo mundo. E todo mundo sabia que conveniências um dia acabam.
Justiça seja feita, nunca Jair Bolsonaro e corte se relacionaram com o PSL senão como instrumento descartável. Os que aceitaram dançar a música sempre souberam o tom e o fado. E dançaram a marcha porque tinham intenções privadas, pequenos projetos pessoais de poder, que jamais seriam materializadas sem Bolsonaro. Os que dançaram rebolaram para validar – cada um com seu grau de consciência – uma relação de uso de um partido para depreciação do valor de partido.
Sejamos ainda mais francos. Para além de gatilho formal à eleição de Bolsonaro, o PSL serviu como escada para a multiplicação eleitoral no Congresso de filhos do hoje presidente: gente de todo desprovida de qualidades individuais para o exercício legislativo, desprovida também de votos próprios, alçada ao Parlamento por haver simplesmente se associado à grife bolsonarista.
Fala-se agora que uma tal UDN – em 2019! – estaria de braços abertos para receber Bolsonaro e família. Seria belo encaminhamento para um movimento que já não esconde o caráter reacionário. Esse porvir, no entanto, importa pouco; isto se tivermos clareza sobre o fato de que o bolsonarismo não tem partido, e nunca terá.
Muita teoria da conspiração.
Jogo foi feito para ser jogado e não há NADA de reacionário, há sim uma nova ordem, pensamentos, desejos e anseios diferentes.
Nenhuma mudança é fácil, nas aceitem o conservadorismo.
Se preparem, muitas mudanças ainda virão.