De João José Bigarella* a Carlos Alberto, Plauto e IAP

Nosso psicógrafo transcreve recado transmitido do Além pelo professor João José Bigarella, um lutador histórico em defesa do meio ambiente no Paraná:

Prezados gestores:

Soubemos recentemente que o governo do Paraná articula para reduzir em quase 60% uma área de preservação que tanto lutamos para implantar, e que abrange alguns dos nossos maiores santuários ecológicos, como o canion Guartelá e várias áreas dos Campos Gerais. Não sabemos ao certo o que motivou tal medida. Mas suspeitamos que seja o de sempre: os interesses econômicos.

Não sei se vocês têm lido notícias mundo afora. Mas existem dois temas recorrentes neste “pálido ponto azul” (a denominação é do astrônomo Carl Sagan): aquecimento global e mudanças climáticas. Parece que existe um consenso mundial de que preservar é preciso. Há um acordo internacional em vigor, o tal tratado de Paris. É certo que o presidente norte-americano resolveu abandonar o barco. Mas acho que os srs. não gostariam de ser considerados seguidores das ideias daquele sujeito de topete ridículo, vocabulário destrambelhado e atitudes tresloucadas. Bom, tem gosto para tudo, não é mesmo?

Se os senhores não prestaram a atenção, a expansão indiscriminada de atividades humanas já está cobrando um preço alto. Tempestades violentas no sul do Brasil (até um furacão já tivemos em SC), verões cada vez mais quentes, invernos curtos. Ao contrário do que muita gente pensa, esses fenômenos não são obra de Deus, Alá ou Krishna. As geleiras do Alasca estão desaparecendo. As lendárias neves do Kilimanjaro idem. O estado de São Paulo viveu há pouco tempo, uma seca digna do agreste nordestino. Parte do Rio Grande Sul já sofre um processo de desertificação que está transformando o pampa em caatinga.

Pode não parecer, mas está tudo interligado. Nós sabemos que os senhores estão muito preocupados com o presente, gerar empregos, renda. O discurso é bonito e pode até convencer muita gente. Mas não custa pensar um pouco nas novas gerações. Afinal, nosso jovial governador é um avô precoce de gêmeos. E possivelmente a linhagem vai continuar prolífica, e com certeza com pretensões políticas. O mesmo deve acontecer com os descendentes do outros gestores que arquitetaram essa “brilhante idéia” de reduzir uma importante área de proteção ambiental. A herança política é uma marca forte do nosso estado.

Portanto rogamos: se não dá pra pensar “no hoje” pensem nas gerações futuras. Não vai ter espaço para todos na estação orbital. E morar em Marte é prerrogativa dos roteiristas de cinema. A nós e nossos descendentes sobrarão secas, chuvas intensas, ventanias e pragas cada vez mais persistentes.

*João José Bigarella criou o departamento de Geologia da Universidade Federal do Paraná. Foi pioneiro na proteção do meio-ambiente, muito antes de a ecologia passar a fazer parte do dia a dia de todo o mundo. Ele é um dos poucos pesquisadores a receber a Grã-Cruz do mérito científico, a mais alta condecoração do país na área. Morreu em maio de 2016, aos 92 anos.

3 COMENTÁRIOS

  1. Bigarella estaria não somente contrariado, mas enfurecido com tamanha desfaçatez! Sua fúria era santa…fui, algumas vezes, testemunha de seu desprezo por minúsculos homens públicos que deliberadamente desejavam destruir nichos ambientais, mínimos e raros no Paraná em relação à sua área total de 199 mil Km2.

    O atual ataque à APA só encontra precedentes quando alguns microcéfalos tentaram reduzir a área do Parque Estadual da Serra do Mar. Bigarella teria a certeza de que essa mutilação estaria decorrendo da insensibilidade insana dos proponentes.

    “Escarpa viva para que continue a vida!”

  2. Ao professor Bigarela devemos a preservação de Vila Velha, com ajuda do insigne jurista Dotti que levou os atentados ao importante sítio geológico à Justiça e saíram vencedores. Será que os paranaenses merecem esses sucessivos atentados ao já pouco que temos em sítios ecológicos, mormente patrocinados ou pelo descaso ou pela mão oculta (aqui nem tanto) de governos e seus governantes? Que meio ambiente não é prioritário sabemos, mas que seja o Estado o promotor de predação já é demais. E tudo fica sem responsabilização. O que é insuportável.]

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