12 de janeiro: 40 anos do comício que mudou o Brasil

“Suporta o peso do mundo./E resiste./Protesta na praça./Contesta./Explode em aplausos” (Helena Kolody).

Por Luiz Claudio Romanelli* – A ditadura militar instalada no Brasil deixou um triste legado de 434 pessoas mortas ou desaparecidas. Milhares foram presas arbitrariamente e torturadas. Só este dado dá a medida do período obscuro que o País viveu desde o golpe de 31 de março de 1964 até meados da década de 1980. A perseguição e a violência eram apenas uma das faces do regime. Mas houve muito mais abusos.

Atos institucionais se sobrepuseram à Constituição, houve censura à imprensa e às manifestações artísticas, cassação de direitos políticos, extinção de partidos, fechamento do Congresso Nacional, mudanças no funcionamento do Poder Judiciário. Cinco generais se revezaram na cadeira de comando no Palácio do Planalto com o fim das eleições para Presidência e os militares adotaram absoluto controle das nomeações de prefeitos de capitais, cidades de fronteira e governadores.

A tentativa dos militares de vender a imagem de uma falsa democracia, ao permitir eleições locais e regionais, não foi suficiente para superar a vontade popular pela redemocratização do País. Tive o privilégio de me juntar àqueles que participaram ativamente desta batalha e, neste dia 12 de janeiro, não poderia deixar de rememorar os 40 anos do primeiro comício realizado no Brasil pelo movimento Diretas Já.

O fato concreto é que Curitiba deu ao Brasil uma lição de democracia e lucidez política. A Boca Maldita recebeu a energia de 50 mil pessoas, e aquela iniciativa se espalhou pelo País. Lembro como se fosse hoje do trabalho de mobilização e da produção de material para chamar a população. Um dos cartazes que criamos e distribuímos dizia “venha botar boca no trombone” junto com personalidades como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e outros políticos.

Paranaenses de todas as regiões responderam ao chamado. Havia trabalhadores, estudantes, políticos e cidadãos defendendo uma nova república. Também marcaram presença celebridades como a atriz e deputada Bete Mendes, os atores Raul Cortez e Dina Sfat, e cantores como Wando e Belchior, além do locutor Osmar Santos, que viria a ser o grande animador dos comícios das Diretas Já pelo Brasil afora.

Uma bandeira no meio da multidão chamava a atenção. Ela dizia que “Curitiba faz história, não espera acontecer”. Outra peça inesquecível foi a camiseta amarela com a frase “Eu quero votar pra presidente”, que virou beca e palavra de ordem daqueles que aderiram à mobilização pela aprovação da emenda Dante de Oliveira, que tramitava na Câmara dos Deputados, e permitiria retomar as eleições livres.

Impossível esquecer o doutor Ulysses Guimarães repetindo os versos da música “Inútil”, do grupo Ultraje a Rigor. “A gente não sabemos escolher presidente, a gente somos inútil. Pois vamos mostrar que a gente não ‘somos’ inútil. Que nós sabemos escolher presidente”, discursou o presidente nacional do PMDB.

Participei ativamente deste processo. Me orgulha ter sido  um dos organizadores dos comícios das Diretas Já em Curitiba, São José dos Pinhais, Foz do Iguaçu, Cascavel e Londrina. Guardo com carinho as fotografias, as artes dos panfletos e a boa memória daqueles que participaram dos atos e do movimento. As juventudes do PMDB, PDT, PCdoB e PT – com táticas que por vezes enfrentavam de maneira mais aguda o regime militar – eram a linha de frente da jornada de mobilização.

Também merece absoluto reconhecimento o papel desempenhado pelo então governador José Richa, pelos senadores Álvaro Dias e Affonso Camargo, pelo prefeito de Curitiba, Maurício Fruet, pelo então deputado estadual Roberto Requião, presidente do PMDB de Curitiba, além de muitos deputados federais e estaduais de oposição e entidades representativas da sociedade civil, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), presidida na época por Otto Sponholz.

Não foi em 1984 que conseguimos restabelecer a plena democracia no Brasil. A luta durou mais alguns meses. Somente em 15 de março de 1985, a eleição no Congresso Nacional de Tancredo Neves e seu vice, José Sarney, colocou fim à ditadura militar e deu início a um novo período democrático na história brasileira.

Hoje, ainda convivemos com algumas viúvas da ditadura que defendem a volta do regime militar. É muito mais do que insensatez ou miopia. É falta de conhecimento da história e um atentado ao Estado Democrático de Direito. A ditadura exigiu anos de resistência – gente perdeu a vida – para que o Brasil pudesse viver a plena democracia, ainda que com alguns erros, mas muitos acertos.

Assim como o 8 de janeiro é uma data para reverenciar as instituições que evitaram a tentativa de solapar a vontade dos brasileiros, consagrada nas urnas, o dia 12 de janeiro de 1984 é um dia significativo na história da república brasileira. É importante fazer o paralelo das datas como contraponto à recente tentativa, mascarada por um falso moralismo, de retomar pela força um período obscurantista, nefasto e excludente. Um projeto de poder que teve na capital paranaense um dos ninhos que chocou o ovo da serpente.

Assim como a resistência e a perseverança demonstradas pelos  democratas nos últimos quatro anos, o combate à sombria ditadura praticada no Brasil por duas décadas é um grande feito dos brasileiros de bem. A verdade é que o País aprendeu que o poder não pode e não será mais tomado por atos violentos, vergonhosos e criminosos.

A partir de 12 de janeiro de 1984, o Brasil seria outro. O primeiro comício das Diretas Já acendeu a chama nacional pela redemocratização. Naquela noite, a capital do Paraná mostrou aos brasileiros que era necessário mudar, que havia esperança e que era possível, sim, viver numa democracia.

*Luiz Claudio Romanelli é advogado, especialista em gestão urbana e cumpre mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná pelo PSD. (Foto: Senado Federal/reprodução).

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