Vale-tudo nas rodovias da morte

“Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão.” (Confúcio). Por Luiz Claudio Romanelli –  Percorro 2.000 quilômetros pelas estradas do Paraná toda a semana para estar sempre presente nos municípios que represento. Nos últimos tempos, essas viagens têm se tornado um grande desafio. Há uma epidemia de irresponsabilidades de veículos leves e pesados, e as nossas rodovias viraram um espaço de vale-tudo. Vale imprudência, vale abuso e vale a lei do mais forte. Só não valem a legislação de trânsito, o respeito ao próximo e o bom senso.

Nas minhas andanças, encontro muitas pessoas que dizem não querer mais viajar de carro. Relatam medo de serem vítimas das estradas, tanto pelo envolvimento direto em acidentes quanto pelo travamento do tráfego, que consome horas. Além disso, a reclamação é de que as próprias rodovias, com traçados antigos, não comportam mais o fluxo de veículos que estão rodando, principalmente caminhões.

Óbvio que não se pode generalizar, mas caminhões carregados até a tampa, rodando a velocidades absurdas e fazendo ultrapassagens perigosas, viraram armas nas estradas. Contudo, não se trata apenas de condenar a negligência individual, pois também falta polícia, falta radar, falta aferir tacógrafos, faltam balanças de pesagem. Falta ação sistêmica e coordenada e, por fim, falta a aplicação de penalizações correspondentes à gravidade das infrações.

Antigamente, tínhamos alguns trechos conhecidos como “estradas da morte”. Hoje, a morte é uma possibilidade real em qualquer trecho das rodovias que cortam o Estado. A combinação perigosa de velocidade excessiva, manobras arriscadas, excesso de carga, uso de substâncias proibidas, manuseio de celular e a falta de fiscalização tem se mostrado uma fórmula mortal, alimentando tragédias que se repetem a todo momento.

Um dos fatores críticos para a ocorrência de acidentes é a velocidade excessiva. Motoristas de automóveis ignoram os limites, acreditando que suas habilidades ao volante são suficientes para contornar qualquer imprevisto. Boa parcela dos condutores de caminhões ignora tudo. Pressionados por prazos apertados e a necessidade de entregar cargas em tempo recorde, arriscam não só suas vidas, mas também as de inocentes que compartilham a estrada.

De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, entre 2022 e 2023, praticamente 50% dos acidentes envolvendo caminhões no Brasil foram causados por falhas humanas como: reação tardia ou ineficiente; ausência de reação; velocidade incompatível; falta de distância do veículo da frente; e acesso irregular na via. No ano passado, foram registradas 17,5 mil ocorrências com veículos pesados nas rodovias, com 2,6 mil mortes – 1 óbito a cada 6,7 sinistros.

Lembremos que em 2019 houve uma ordem de afrouxamento na fiscalização das estradas federais. Grande parte dos radares deixaram de funcionar, iniciando um processo que se pode classificar como libera-geral. Hoje, o que se percebe é o absoluto abandono dos controles sobre a velocidade e o peso das cargas, seja nas rodovias da União ou nas vias estaduais. Ao cabo, a “vista-grossa” se converte em cúmplice dos acidentes rodoviários.

É sabido que os efetivos das polícias rodoviárias – federal e estadual – são insuficientes para cobrir toda a malha de rodovias. Mas isso não isenta estas instituições de dar respostas à sociedade, assim como as demais autoridades de trânsito. Para que façam isso, vou promover uma audiência pública na Assembleia Legislativa, dando espaço para o debate franco e aberto sobre a atual situação das estradas.

Em outra frente, acredito que é necessário alterar leis que tratam da fiscalização em rodovias. É essencial, entre outras coisas, acabar com a exclusividade da Polícia Rodoviária Federal de patrulhar as BRs, retomando a possibilidade de firmar convênios. Outra medida urgente é flexibilizar a contratação dos agentes de trânsito, para dar maior amplitude e efetividade à fiscalização.

Há urgência em criar novos mecanismos legais e normativos que deem uma dinâmica diferente daquela que existe hoje. As concessionárias de pedágio, por exemplo, são operadoras profissionais de rodovias e poderiam assumir maior protagonismo sobre o controle de velocidade e peso nos trechos que administram. Isso sem falar no aproveitamento de soluções tecnológicas que permitem operação remota.

O fato objetivo é que as estradas não precisam ser cenário de tragédias e é possível, sim, reverter a triste realidade atual com compromisso e coragem para enfrentar os problemas. Mitigar a situação alarmante exige uma abordagem multifacetada, que envolve também as políticas laborais das empresas de transporte. Primordialmente, é preciso que invistam em conscientização, prevenção e monitoramento.

A vida humana é o bem mais precioso que temos e deve ser preservada a qualquer custo. Assim, a construção de um trânsito mais seguro nas estradas depende da responsabilidade compartilhada de cada um de nós – motoristas, empresas e Poder Público. É dessa forma que poderemos transformar nossas estradas em caminhos de vida e não em vias de morte.

Luiz Claudio Romanelli é advogado, especialista em gestão urbana e deputado na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) pelo PSD.

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