Por Pablo Vianna Roland* – A nossa Constituição estabelece que todos têm direito à saúde, sendo a sua garantia um dever do Estado (União, Estados e Municípios), havendo permissão constitucional para que a iniciativa privada também preste serviço de assistência à saúde, de forma complementar.
A partir desta autorização, como é comum no mundo, as empresas privadas podem oferecer seguro de saúde ou os populares planos de saúde, que são contratados pelos consumidores para receberem assistência médico-hospitalar em consultas, exames e internamentos, mediante pagamento de mensalidades, podendo ou não haver coparticipação no custeio de tais serviços.
Ou seja, além da mensalidade, o consumidor paga uma porcentagem do custo de suas consultas, exames e internamentos, ficando a maior parte da despesa paga pela empresa operadora do plano.
As operadoras podem oferecer cobertura para os mais variados serviços médicos, atuando de maneira suplementar ao sistema único de saúde.
No entanto, a autonomia dos planos encontra algumas limitações, sendo um setor regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, um órgão do governo federal, vinculado ao Ministério da Saúde.
E é neste conjunto de regras que a ANS estabelece a autonomia dos planos privados, estabelecendo condições e serviços mínimos obrigatórios que precisam ser ofertados.
A Lei Federal 9.656 de 1998 disciplina amplamente as regras de operação dos planos de saúde, garantido que as operadoras podem oferecer os serviços que entendam melhor, desde que ofertem as coberturas mínimas, incluindo-se dentre elas os tratamentos chamados de “antineoplásicos”, ou seja, que sirvam para tratar câncer de todos os tipos.
O que muitos não sabem é que, dentre as coberturas mínimas, a lei inclui expressamente até mesmo os medicamentos de uso oral domiciliar, ou seja, remédios que os pacientes do tratamento de câncer tomarão em casa, sozinhos, sem internamento ou atendimento ambulatorial-hospitalar.
Há ainda uma lista de procedimentos e medicamentos específicos que devem ser oferecidos, conhecida popularmente como “rol da ANS” que, depois de muita polêmica nos tribunais do país, se tornou uma lei em 2022.
Remédios para câncer são, geralmente, de elevado custo, tornando muito caro ao próprio paciente adquiri-los, especialmente em um momento delicado, que já se encontram debilitados, muitas vezes com sua capacidade produtiva afetada e com diversas despesas de medicamentos acessórios ao tratamento.
Assim, a obrigação do plano de saúde custear os tratamentos para câncer é uma ferramenta de grande auxílio para pacientes que sofrem do mal e estão em um momento delicado de suas vidas.
Ocorre que, justamente por serem caros, os medicamentos e tratamentos contra o câncer, especialmente aqueles utilizados pelos pacientes em suas casas, muitas vezes não são autorizados pelos planos, com a injustificada negativa de cobertura, buscando impor alternativas menos eficazes e mais baratas para o tratamento da doença, invadindo as orientações médicas para o tratamento e gerando angústia nos pacientes.
A situação piora em dois casos: se o medicamento não constar do “rol da ANS” ou se o tratamento ou medicamento receitado não constar em sua bula com a indicação para aquele câncer específico.
Em ambos os casos, é possível exigir judicialmente da operadora de plano de saúde o fornecimento do tratamento, procedimento ou medicamento, especialmente se o médico do paciente tiver considerado ele essencial para a manutenção da vida.
Assim, o paciente que vê seu pedido do tratamento contra o câncer negado pelo plano de saúde, apesar da indicação de seu médico, deve procurar a defensoria ou um advogado especializado para avaliação do caso a fim de ajuizar uma ação para garantir o medicamento ou tratamento indicado.
Para isso, o paciente deve reunir a prescrição médica com a justificativa para a escolha daquele determinado medicamento ou procedimento, relatórios e estudos que corroborem a justificativa, especialmente se já tiver sido tentadas alternativas mais comumente aceitas pelo plano.
Também se faz necessário apresentar a recusa formal do plano (preferencialmente por escrito) em custear aquele medicamento ou tratamento, além de cópia do próprio contrato ou qualquer prova do vínculo contratual entre paciente e operadora do plano de saúde.
Por fim, além de obter a ordem judicial para o fornecimento do tratamento de câncer, se mostrando abusiva a negativa do plano, pode ser possível conseguir ainda indenização por dano moral, considerando a fragilidade do paciente e o sofrimento imposto em razão de ter seu tratamento indevidamente negado.
*Pablo Vianna Roland é advogado (OAB/PR 77.700) especialista em Direito do Consumidor. Mestrando em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Sócio do Vianna Roland Advogados