Por Luciana Rafagnin* – Incorporamos no calendário de lutas e de organização das mulheres, em seus diferentes espaços de atuação, as reflexões e mobilizações do 8 de março, dia internacional da mulher, que são necessárias e importantes para a conscientização coletiva e para a transformação da realidade, muito a partir do resgate histórico do ativismo de tantas e tantas mulheres, antes de nós, que construíram com resistente bravura as bases dos direitos, das conquistas e dos avanços sociais que temos hoje.
Isso precisa continuar, sem dúvida, no sentido de aumentar a visibilidade e o protagonismo das mulheres, só que temos de incorporar também às nossas metas e ambições de evolução da sociedade a conscientização e o compromisso de homens para barrar os retrocessos e o avanço desenfreado e reativo da violência contra as mulheres. É papel também nosso e daqueles companheiros conscientes e comprometidos com a erradicação de todas as formas de violência de gênero e de violência contra as mulheres a chamada de atenção para a violação de direitos humanos, o aconselhamento, a denúncia e a responsabilização de quem ainda insiste em reproduzir as relações desiguais, discriminatórias e misóginas da cultura machista e do patriarcado.
Essa reprodução bate indistintamente na porta de todos e precisamos lembrar os companheiros homens que são pais, filhos, irmãos, amigos, colegas de trabalho, maridos e namorados de outras mulheres os riscos embutidos na perpetuação desse mal e desse atraso bárbaro do desrespeito e das violências. Uma das formas mais crueis e invisíveis é pela banalização, que, por sua vez, se sustenta na impunidade e na omissão. Não se trata apenas de denunciar, mas de assumir a responsabilidade de estancar a semente dessa violência no momento em que o melhor amigo, parente, conhecido faz aquela piadinha ou comentário nojento, quando julga ou ofende uma mulher pelo que ela veste, como se apresenta, quando se acha no direito de importunar, quando critica ou interrompe uma colega de trabalho pelos mesmos motivos que não calaria ou questionaria um colega homem ou ainda quando ouve o vizinho, familiar, desconhecido na rua ofender e até desrespeitar e agredir a companheira, sem se incomodar com isso.
Temos inúmeras possibilidades de quebrar com esse fluxo de violência e de desigualdades estruturais e não é vergonha se manifestar quando a oportunidade se impõe à nossa frente, muito pelo contrário. A banalização ou ostentação chegou ao ponto de uma figura pública, na última semana, se referir às mulheres ucranianas, vítimas e refugiadas da guerra em seu país, como “fáceis” de serem violadas por serem “pobres”. O fato do noticiário repercutir essa postura abominável, por se tratar de algo que aconteceu, não choca tanto quanto imaginar a aceitação desse pensamento nefasto por inúmeras pessoas que comentam aberta ou anonimamente nas redes sociais em defesa desse crime, aumentando sua espetacularização. Pior, trata-se de um candidato a cargo público de grande responsabilidade institucional, que pretende ter nas mãos o comando das políticas, inclusive as de segurança pública, do seu estado.
Nesta pandemia, ficou evidente o perigo de a sociedade permitir que pessoas com tamanha perversidade detenham o poder público de ditar comportamentos sociais. Milhares de pessoas tiveram suas vidas ceifadas pelo descaso, pela ignorância, irresponsabilidade e pela confusão instaurados. As mulheres, em 2018, lideraram uma grande mobilização para protestar diante do iminente perigo. Muitos homens também se somaram nessa corrente, mas não foi o suficiente.
Neste último final de semana, como se repete no país todo, mais uma mulher foi morta em episódio hediondo de violência doméstica e familiar em Francisco Beltrão. O crime ainda é objeto de apuração das autoridades, mas já engrossa as estatísticas que colocam o Brasil no vergonhoso 5° lugar no ranking de feminicídios no mundo. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em 2020, houve um aumento de 22% nesses crimes e, no primeiro semestre do ano passado, o Brasil atingiu o maior patamar desde 2017, com cerca de quatro feminicídios por dia em média.
Temos, portanto, uma figura pública que encontra na pobreza o ambiente permissivo e facilitado para a prática do crime sexual e, isso, num país em que 20 milhões de pessoas passam fome e 117 milhões sofrem algum tipo de insegurança alimentar. Vamos precisar de toda reação possível diante da banalização desse discurso, somar todos os esforços e consciências de homens e de mulheres, que buscam mudar a seguinte realidade: uma mulher é vítima de estupro a cada dez minutos, cerca de 100 feminicídios ocorrem por mês no país, uma travesti ou mulher trans é assassinada a cada dois dias no Brasil e em que 30 mulheres sofrem agressão física por hora. Por isso, precisamos juntar forças com todas as pessoas cientes da sua responsabilidade de respeitar e de ensinar o respeito às mulheres para ampliar essa conversa, essa luta e essa conscientização. Vamos fazer uma onda transformadora que começa no menor gesto e na grande ação individual de manifestar simplesmente: “Basta! Isso acaba aqui”!
(*) Luciana Rafagnin é agricultora familiar, cientista política e deputada estadual pelo PT do Paraná.