Por Luiz Cláudio Romanelli* – “Os vícios de outrora são os costumes de hoje” (Sêneca) – O Brasil é um país onde os direitos e a autonomia das mulheres são temas que sempre necessitam de atenção. Embora haja avanços recentes na valorização da população feminina, ainda há um abismo para que se possa alcançar a verdadeira igualdade. O desafio é manter e ampliar as conquistas, enfrentando as resistências e preconceitos que permanecem muito presentes na sociedade.
Os progressos nas políticas públicas, educação, mercado de trabalho, participação política, combate à violência, cultura, saúde e empreendedorismo são passos importantes na jornada de empoderamento feminino. Contudo, continua evidente que somente um esforço conjunto e persistente pode construir a equidade de gênero, e nos afastar de reincidentes comportamentos machistas e misóginos.
No momento, a discussão que se apresenta é sobre o Projeto de Lei 1.904/24, que equipara o aborto ao crime de homicídio após a 22ª semana de gestação, mesmo em caso de estupro, anencefalia fetal ou risco de morte da mulher. Sob a ótica de quem entende minimamente do tema, a proposta simplifica uma questão muito complexa e levanta preocupações éticas, sociais e jurídicas.
Lembremos que a capacidade de decidir sobre o próprio corpo e a vida reprodutiva é um direito fundamental da mulher. A decisão de interromper uma gravidez envolve circunstâncias alheias ao nosso conhecimento, incluindo orientações médicas em razão dos impactos sobre o organismo ou sobre a saúde mental. Tratar o aborto como homicídio, portanto, ignora muitas nuances e impõe uma visão de moralismo extremado.
Enquanto a maior parte do mundo trata da descriminalização do aborto com base na ciência, e sob aspectos da saúde pública e dos direitos femininos, no Brasil estamos falando do aumento da penalização, e de cimentar no nosso meio a vontade de um grupo que desconsidera casos em que a continuação da gestação pode representar diversos tipos de risco.
Dados de países onde o aborto é fortemente restrito mostram que a criminalização não elimina a prática. Ao contrário: alimenta a indústria de clínicas clandestinas, onde os procedimentos são inseguros e as condições geralmente insalubres. Em vez de garantir a saúde e a segurança das mulheres, a criminalização pode elevar a incidência de emergências médicas e contribuir para um aumento das taxas de mortalidade materna.
Do ponto de vista jurídico, equiparar o aborto ao homicídio contraria preceitos constitucionais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já emitiu entendimento nesta linha e não faltam alertas de que o projeto de lei flerta com a violação dos direitos humanos e da privacidade das mulheres, conforme reconhecido por muitas convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Há, ainda, o impacto social e econômico que não deve ser ignorado. Aquelas que são forçadas a levar adiante uma gestação indesejada podem enfrentar inúmeras dificuldades, incluindo a incapacidade de trabalhar e a pressão financeira adicional, que afeta toda a família. Em um contexto mais amplo, a medida contribui para perpetuar ciclos de pobreza, limita o acesso à educação e reduz oportunidades de participação econômica e social plena pelas mulheres.
Enfim, equiparar o aborto ao homicídio significa total ignorância sobre a complexidade da questão e expõe uma visão moralista e simplista que desconsidera direitos e necessidades das mulheres. Em vez de avançar na proteção da vida, essa ideia atropela uma abordagem mais equilibrada já prevista na legislação em vigor.
O aborto para mim não é crime, é um pecado. Fui criado dentro da fé católica que nos ensina que a vida começa na concepção e é nisso que acredito. Por outro lado, não me parece razoável que qualquer menina ou mulher que engravide após ser vítima de um estupro, e são milhares por ano no nosso País, possa ser condenada a cumprir uma pena de prisão até superior a do seu estuprador em razão de um aborto.
O fato absolutamente concreto é que este tema veio à baila pelas mãos dos lacradores da internet que orbitam o Congresso Nacional – e são muitos. Esse tipo de gente, que não tem quase nada de útil para fazer, se alimenta de debates ideológicos estéreis e sem nenhum contato com a vida real. É um tipo de política que precisa ser jogado no lixo da história.
*Luiz Claudio Romanelli é advogado, especialista em gestão urbana e cumpre mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná pelo PSD.