(por Ruth Bolognese) – Um grupo de índios guaranis – cerca de 580 homens e mulheres de 18 a 93 anos e seus descendentes – entraram com ação na Primeira Vara da Justiça de Foz do Iguaçu, para garantir indenização pelas terras alagadas do lago da Binacional Itaipu ou participação nos lucros da geração de energia. Seria uma espécie de royalties sobre o alagamento de 50 mil hectares localizados nas margens da bacia do rio Paraná, entre os municípios de Foz do Iguaçu e Santa Helena, que pertenciam ao grupo.
A ação de indenização, movida pela advogada Natália Perez, de Foz do Iguaçu, é baseada no fato que os agricultores que habitavam as terras inundadas pelo lago de Itaipu foram indenizados. Os municípios, que perderam parte de suas terras , também recebem royalties. Já os índios nada receberam.
A advogada acredita que com a quitação das dívidas contraídas pelos governos brasileiro e paraguaio e a revisão do Anexo C, é um bom momento para que a Usina resgate sua dívida histórica com as gerações de índios que sempre habitaram a região. – “Os Guaranis se dispersaram pelo país por medo das medidas tomadas contra eles no passado. Hoje tem grupos no Espírito Santo, São Paulo e em várias regiões do Paraná. Mas muitos de seus descendentes ainda estão aqui”.
Na ação do pedido de indenização na justiça – o documento é público – a advogada faz um resumo da história dos índios, baseado em análises e levantamentos de toda a região: “de acordo com a tese de doutorado pela USP da antropóloga da Funai, Maria Lúcia Brant de Carvalho “A população indígena Guarani desde tempos imemoriais ocupa tradicionalmente as bacias do Rio Paraguai, Paraná e Uruguai e seus afluentes, ou seja, a Grande Bacia do Prata. Ali possuem o direito de permanecer, reconhecido legalmente desde a época colonial portuguesa e pelas sucessivas constituições brasileiras, além do Estatuto do Índio.
No decorrer do século 20 com a instalação de empreendimentos estatais brasileiros na região Oeste paranaense, os Guarani foram esbulhados de suas terras desaparecendo assim inúmeras aldeias. Instalou-se um processo de desconstrução do território indígena. Grande parte da população indígena foi expulsa para o Paraguai, concentrando-se junto às aldeias ali existentes, localizadas na fronteira com o Brasil.
Apesar das pressões, uma única população conseguiu resistir no Brasil. Em 1973, ela teve a maior parte de suas terras ocupadas pelo Incra, visando reassentar colonos retirados do Parque Nacional do Iguaçu. Em 1982 a parte restante do território indígena foi totalmente inundada com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Em fins de outubro de 1982 ocorreu a grande inundação em função da instalação do reservatório da usina, que inundou, entre outras regiões, também a bacia do rio Ocoí e de seus afluentes, cobrindo pelas águas inclusive as terras do Oco’y Jacutinga.
Meses antes, em maio do mesmo ano, somente parte das famílias indígenas desta aldeia – dezenove famílias – foi compulsoriamente reterritorializada para o local que viria a se tornar a terra indígena Avá-Guarani do Ocoy, onde parte está até hoje, terra esta destinada oficialmente, apesar de forma ilegal, a apenas quatro famílias indígenas”.
Segundo o levantamento da antropóloga, uma parte dos índios foi obrigada a se dirigir para outras aldeias tanto no Brasil quanto no Paraguai ocupando terras já ocupadas por outras populações indígenas Guarani. No Brasil, além de Ocoy, os índios foram encaminhados contra sua vontade para ocupar aldeias Guarani e também de outras etnias, em terras já tradicionalmente ocupadas por estes povos. Algumas famílias extensas – mais tarde – voltaram a se reagrupar em Ocoy, piorando a situação da escassez de terras.
Os índios de Oco’y vivem numa área onde deveria florescer a mata ciliar (fotos de satélite mostram o desmatamento da faixa interrompendo a mata protegida pelo Programa Cultivando Água Boa, da própria Itaipu). Como vizinhos, fazendeiros que manejam agrotóxicos, inclusive de aplicação aérea, que causam doenças na população e dificuldade na criação de animais domésticos e até no crescimento de árvores frutíferas. Espremidos entre a água e as plantações, não há terra suficiente para prover a sobrevivência do grupo, sequer para garantir a saúde das crianças e idosos expostos aos malefícios provocados pelos venenos aplicados a cada safra.
Após muita luta (inclusive com invasão do Parque Nacional do Iguaçu e Refúgio Biológico de Itaipu), Itaipu e Funai adquiriram uma fazenda em Diamante D’Oeste, com cerca de dois mil hectares, para onde se mudaram dois grupos. A fazenda foi a alternativa mais barata dentre os locais apontados como possibilidade. E saiu mais em conta porque se trata de uma área com muitos morros e também muitas pedras, que limitam o espaço para produção agrícola. Quando chove o local fica alagado por semanas, tudo que estiver plantado se deteriora e é perdido. A oferta de água no local também deixa a desejar.
Além disso, os Guarani afirmam que as melhores terras são escolhidas para roças comunitárias da Itaipu. Nestes locais os índios lavram a terra sob a supervisão de técnicos da usina, e o produto é vendido para o mercado externo. Em troca esses índios recebem somente cestas básicas. E, muitas vezes, ainda ficam com saldo negativo perante a binacional, nas contas de seus representantes. Ou seja, estão pagando para trabalhar!
O controle de entrada e saída de famílias da propriedade também é feita com mãos de ferro pelos funcionários da usina, que não permitem que integrantes de outras aldeias possam ir viver naquelas terras. Há um limite rigoroso de entrada de novos habitantes.
Até na forma de escolha dos parceiros para matrimônio a usina interfere, impedindo, por exemplo, o casamento entre guarani que vive no Brasil com os que moram do outro lado da fronteira.
Um terceiro grupo acampou na antiga Base Náutica de Itaipulândia e um quinto conjunto de famílias está morando há cerca de três anos numa área invadida pertencente ao governo do estado, no município de Santa Helena. Algumas famílias se mudaram de região e até de estado, em busca de alternativas para sobrevivência.
Diante de tal situação é natural que os índios se sintam explorados e desrespeitados. Pior, são intimidados! Sua cultura, crenças, religião e modo de vida são ignoradas e vilipendiados permanentemente por Itaipu, que se vale da dependência financeira destes índios para impor suas regras.
Desde a formação do lago, há 35 anos, os indígenas desabrigados e seus descendentes buscam a reparação legal de sua expulsão do território que lhe pertenciam. Na época da construção da usina, representantes da Itaipu negociaram terras, muitas vezes a preço vil, com agricultores, indenizando-os pelo alagamento de suas terras.
Porém, com a comunidade indígena as tratativas seguiram rumo diferente. Após um trabalho de branqueamento dessa população, sob alegação de que não se tratavam de indígenas, brasileiros e até onde muitos foram levados de suas aldeias no meio da noite, os responsáveis pela construção fizeram o possível para minimizar o número de integrantes dos povos originários.
Essa ação – muitas vezes levada a efeito com violência – fez com os índios ficassem extremamente fragilizados e temerosos pelas suas vidas e seus parcos pertences. Como consequência do subjugo, as sucessivas diretorias da binacional sempre mantiveram os índios sem voz e alheios aos seus direitos, sob a alegação de que a compensação pelo alagamento de suas terras se daria em forma de cestas básicas e outras pequenas ajudas, repassadas através das prefeituras municipais.
Ocorre que os dirigentes municipais jamais prestaram contas destes repasses. Não se sabe ao certo o quanto a Itaipu repassa, conforme comprova ofício encaminhado por uma prefeitura aos índios. O certo é que atualmente uma família com cerca de dez moradores recebe por mês uma cesta básica composta por 5kg de arroz, 2kg de feijão, uma lata de óleo, 1kg de macarrão e outras miudezas. O alimento não é suficiente para mais que dez dias. No restante do mês os índios comem mandioca, aves criadas nas aldeias e os poucos que estão inseridos no mercado de trabalho ajudam as famílias mais necessitadas. A pobreza é extrema. A qualidade da alimentação das piores. Animais de estimação como cães e gatos estão desnutridos e doentes.
Outra medida utilizada pela hidrelétrica para manter os índios apascentados é o boicote e até desestímulo à criação de qualquer associação ou forma de representação dos silvícolas. Assim, trata-se individualmente com os caciques e outras autoridades das aldeias, muitas vezes, provocando a discórdia entre os grupos, enfraquecendo os pleitos que deveriam ter sido atendidos há décadas”.
Justa a pretensão guarani. O represamento do Rio Paraná alagou vasta área das terras mais férteis do mundo, resultou na formação da união dos ex-barrageiros, embrião do MST e ainda influiu drasticamente nas mudanças climáticas de toda a região. Sucesso total para a advogada Natália Perez e para os nossos irmãos remanescentes dos verdadeiros donos de todo o território nacional.