Foro especial, teoria e prática

(por Roberto Dias, da Folha de S.Paulo) – Há neste país alguns homens realmente de muita sorte. Romero Jucá é um deles. Investigação sobre o senador tramitou por 14 anos no STF até ser arquivada por prescrição dos supostos crimes. Não é que ele foi inocentado. Como mostrou reportagem da Folha, a apuração foi marcada por uma série de problemas, entre eles um pedido de vista de cinco anos, tempo que o ministro Gilmar Mendes levou —em tese— para refletir sobre o assunto.

Outro homem de sorte chama-se Michel Temer. Inquérito tocado pela PF e pela PGR procura —em tese— saber se empresas do setor portuário deram vantagem indevida ao presidente e a outras pessoas. A investigação, porém, poupou os sigilos telefônico, bancário e fiscal dos envolvidos na suspeita, como mostrou outra reportagem do jornal.

Ainda assim, o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, achou por bem opinar em público sobre o trabalho em andamento: em entrevista à Reuters, criticou a qualidade das provas.

Em um caso e no outro, estão envolvidos —em tese, sempre em tese— os melhores instrumentos de investigação disponíveis por aqui: os magistrados da corte suprema, a nata da Procuradoria, a polícia mais bem preparada para levantar informações.

Na prática, tudo isso somado resulta em evidente impunidade, embalada num cristal chamado foro especial. O problema é tão nítido que alguma solução haveria de estar a caminho. Mas isso é em tese. Na prática, a Câmara sentou em cima do projeto aprovado no Senado para reduzir a abrangência do foro, como mostrou a Folha nesta semana.

Por mais respeitáveis que sejam, os argumentos a favor do foro especial contêm um pecado de origem: simplesmente não resolvem o problema.

Na prática, como definiu o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, “a elite dominante criou um sistema penal que a mantém imune do alcance do direito penal”. Sorte de quem pertence a essa elite.

Roberto Dias – Jornalista é secretário de Redação da área de Produção da Folha, onde trabalha desde 1998.

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