Corregedoria da CMC abre sindicância para apurar denúncia contra vereador

A Corregedoria da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) abriu uma sindicância para apurar representação contra o vereador Renato Freitas (PT), feita por quatro vereadores – Ezequias Barros (PMB), Sargento Tânia Guerreiro (PSL), Osias Moraes e Pastor Marciano Alves (ambos do Republicanos). Eles argumentam que houve violação de cinco artigos do Código de Ética e Decoro Parlamentar da CMC por “ofensas discriminatórias”, “ofensas morais e à dignidade”, “intolerância religiosa” e “quebra de decoro” por parte do representado, em falas durante as sessões plenárias.

A denúncia foi enviada para a Mesa Diretora da CMC, que, respeitando o artigo 20 do Código de Ética e Decoro Parlamentar, a remeteu no dia 13 de abril à corregedora da CMC, Amália Tortato (Novo), para que ela apure os fatos narrados num prazo máximo de 30 dias úteis. Segundo o Código de Ética, “a sindicância é procedimento prévio de investigação interna, de natureza inquisitorial, presidido pela Corregedoria da Câmara, para apurar qualquer fato, supostamente ilícito, que envolva vereador”.

Amália Tortato informou que está “ciente das questões implicadas, com relação à honra e à liberdade religiosa e de culto, bem como à liberdade de expressão e à imunidade parlamentar do vereador representado”. Em nota, ela garantiu que “a análise está sendo feita de maneira técnica e imparcial, em respeito à Ética e ao Decoro Parlamentar desta Casa, sopesando as disposições supostamente infringidas com os princípios que garantem a proteção aos valores fundamentais desta República, da liberdade de expressão e de opinião”.

Embora não seja procedimento obrigatório nessa etapa, a Corregedoria, que tem até o dia 25 de maio para concluir seu relatório, deu oportunidade para que Freitas se manifestasse e prestasse esclarecimentos quanto às alegações da representação. O Código de Ética exige que “havendo indícios do cometimento de infração ético-disciplinar ou de procedimento incompatível com o decoro parlamentar, a Corregedoria formalizará representação contra o vereador suspeito, requerendo a instauração do procedimento disciplinar competente”. As punições são: censura pública, suspensão das prerrogativas regimentais, suspensão temporária ou perda do mandato.

Representação – A representação foi feita há um mês, no dia 6 de abril, pelos vereadores Ezequias Barros, Sargento Tania Guerreiro, Osias Morais e Pastor Marciano Alves. Hoje, 10 de maio, durante a sessão plenária, Moraes usou a tribuna para tratar do assunto: “nós representamos o vereador Renato e representaremos qualquer vereador nesta Casa que faltar com o respeito. Respeite a gente, vereador Renato. Respeite os pastores e os cristãos”, pediu.

Osias Moraes defendeu que “esta Casa não vai aceitar esse tipo de comportamento, de qualquer vereador que ataca pessoas. Nós, pastores, fomos chamados de trambiqueiros nesta Casa. As instituições vêm sendo atacadas pelo vereador Renato desde fevereiro. E vamos ficar calados? Vamos ficar quietos? Não. Nós agimos dentro da lei, não fora da lei. Pra cima de nós, não”.

A fala de Osias foi uma resposta ao discurso de Professora Josete (PT), que usou o espaço do pequeno expediente. “Nós temos pela primeira vez uma representatividade de um setor da sociedade que, até então, nunca teve espaço na Câmara. Estamos falando da periferia, de um homem negro, um jovem negro. Todos nós, vereadores e vereadoras, precisamos estar atentos e até perceber algumas coisas que nós não convivíamos, é uma outra cultura, é uma outra forma de se expressar”, disse ela.

Osias Moraes rebateu esse ponto específico. “E a narrativa que está sendo perseguido? Quer dizer que agora porque é negro, porque veio da periferia, pode desrespeitar o cidadão? Pode desrespeitar as instituições? Pode difamar? Pode criar preconceito? Eu também vim da periferia, também vim de um lugar pobre, e eu não ataco aqui absolutamente ninguém. Respeito todos os meus companheiros, inclusive o vereador Renato. Me diga quando que faltei com respeito ao senhor, me diga quando eu lhe ataquei. Respeite os pastores que aqui fazem parte do parlamento e respeite a nossa fé as instituições religiosas”, finalizou Osias.

Professora Josete foi a primeira a se manifestar sobre o assunto durante a sessão desta segunda. Além do argumento de representatividade, ela apontou também “uma questão geracional, que é muito diferente”. Com 57 anos, ela disse que está perto “de completar os 60”. “Nós temos uma outra cultura e outra linguagem. Espero que nós não tenhamos nenhuma situação de qualquer ato ou punição desta Casa diante de situações que talvez sejam, no meu ponto de vista, bem menos graves do que outras que aconteceram nessa Casa, em que se arquivaram processos em situações que de fato traziam gravidade”, afirmou.

Josete ainda pediu “a cada um e cada uma que exerçam sua empatia e que possam fazer desse espaço plural, que diverge e que representa todos os setores da sociedade”. Outros vereadores retomaram o assunto ao longo da sessão plenária. “Não estamos fazendo nenhum tipo de perseguição ao vereador Renato. Sou filho de negros e italianos. Já catei papel, vendi sorvete, engraxei sapato e às vezes as três coisas no mesmo dia. Trabalho desde os 7 anos de idade e nunca feri ninguém. Nenhum padre, nenhum pastor, nenhum pai de santo. Jamais vou fazer esse tipo de fala aqui”, disse Ezequias Barros.

Ele ainda criticou publicações de Renato pelas mídias sociais. “E agora [o Renato] vem falar em nome da democracia, em nome da liberdade. A liberdade não me dá direito a ser libertino”. Ezequias disse ser “inadmissível que se fale contra pastores da forma que foi colocada aqui. Ele não simplesmente feriu a bancada evangélica como trambiqueiros. Qual trambique eu fiz na minha vida para ouvir esse tipo de fala? Tenho falhas, tenho pecados, sim. Mas não sou trambiqueiro”.

Marciano Alves pediu um aparte à fala de Barros. “Eu sou nortista. Meu sotaque revela que sou nortista. E nem por isso me faço de vítima por ser nortista. Estou aqui para representar meus eleitores. Trabalho dia e noite pela dignidade da pessoa humana. Quero dizer ao nobre vereador Renato que o pastor lá fora é dirigido pela Bíblia. Mas o parlamentar é dirigido pela Constituição Federal e pelo Regimento Interno da Câmara Municipal de Curitiba. Queremos respeito. Os ataques nos colocam em perigo”, disse.

Osias Moraes voltou a usar a tribuna para dizer que a denúncia feita em face ao vereador Renato Freitas “não tem o objetivo de tirar o seu mandato e sua representatividade. Jamais. Inclusive fomos atacados e injuriados por vossa excelência nessa Casa. Temos que combater, sim, o discurso de ódio. Esta Casa não pode ficar calada por qualquer tipo de preconceito e perseguição religiosa. Porque se ela se calar, amanhã vai se calar para outros crimes que se cometam aqui em nome da liberdade de expressão. Nós tivemos um deputado preso pelo STF, porque achou que com a liberdade de expressão pode atacar, injuriar, ameaçar. Não se esqueçam disso”, comparou.

Pier Petruzziello (PTB) também apoiou os vereadores evangélicos defendendo que “as narrativas se constroem e permanecem ao longo do tempo se nós não nos opusermos a elas. Esse menino, de coitado, não tem nada. Ele agrediu verbalmente [os vereadores]. Na rede social, ele escreveu que os pastores eram picaretas. Ele escreveu. Então ele que arque com as consequências. Ele falou que os pastores eram trambiqueiros”.

Citando “debates acalorados” que teve durante sessões plenárias com os vereadores Dalton Borba, Denian Couto, Noemia Rocha e Professor Euler, Petruzziello pontuou que “o debate de ideias aqui dentro tem que ficar no plano da ideologia. Eu tenho posicionamentos contrários ao PDT e ao PT e eu não lembro de ter agredido verbalmente essas pessoas, pelo menos no âmbito pessoal”.

Pier continuou: “A humildade não corresponde à má educação. Não é porque você nasceu na periferia que você pode agredir o outro. Não é porque você não teve educação que você pode desrespeitar os outros. Educação não é sinônimo de riqueza, de dinheiro, de poder. Essa retórica só vale quando é para os vereadores da esquerda”. E finalizou: “Ninguém quer calar tua voz. A gente só pede para ter um mínimo de educação. Esse menino ultrapassou todos os limites. Ele não é nenhum coitado. Quem conhece a história dele sabe que não é nenhum coitado”.

Defesa – O vereador Renato Freitas tornou público o caso ao se manifestar no pequeno expediente da sessão plenária do dia 26 de abril. “Gostaria de manifestar minha indignação, meu espanto e meu repúdio pelo fato de ter recebido um pedido de cassação” por suposta quebra de decoro parlamentar. O vereador argumentou que exerce seu “direito político de se opor e debater ideias”, e que por isso estaria sendo “perseguido pela bancada evangélica e militarista da CMC”. “Aqui na Câmara pedem minha cassação por perseguição religiosa, oras, não percebem que esse populismo religioso não é a única via possível, e nesse pensamento não estou só”, finalizou.

Na manhã desta segunda-feira (10), Renato Freitas organizou uma manifestação política-cultural pela sua defesa em frente a Câmara Municipal. Cerca de 70 pessoas participaram do ato pacífico, que também contou com manifestações culturais e artísticas, com música, dança e poesia. De lá, participou da sessão dizendo que “o processo de cassação do nosso mandato é um absurdo, não tem nenhum tipo de fundamento, o único objetivo é tentar censurar nosso mandato, é tentar fazer com que nossa voz se cale”.

Ele sustentou três críticas que fez a temas discutidos durante as sessões plenárias. “Nós apontamos a mentira. Primeiro, o chamado ‘kit covid’ é uma grande mentira. E destruidora, porque infelizmente é o tipo de mentira que tem como consequência a morte de muitos seres humanos que confiam, se expõem ao vírus e acabam morrendo achando que fizeram um tratamento precoce”.

O segundo ponto levantado é o tratamento das comunidades terapêuticas: “é um absurdo em um estado laico você injetar mais dinheiro em comunidade terapêutica do que em Centro de Atenção Psicossocial (Caps), multidisciplinar, distribuído geograficamente conforme a necessidade do estado e pagas com o dinheiro do contribuinte. É preferível investir em equipamentos públicos, não religiosos”.

O outro ponto questionado por Freitas foi relacionado ao projeto de lei chamado de Mesa Solidária. “Eu sei que o prefeito não gostou, a liderança do prefeito não gostou. Os vereadores que assinaram para acelerar a votação do projeto, num indicativo de retirar a possibilidade das pessoas não se alimentarem enquanto tinham fome, não gostaram que eu expus, respeitosamente, o nome dos 13 vereadores. Então, por que assinaram?”, questionou. Freitas encerrou dizendo que quer “respeito” e que “aquele que expor a mentira receberá o ataque da verdade”. Carol Dartora informou, durante a sessão, que participou da manifestação em frente à CMC.

Noemia Rocha, no fim da sessão, disse que se sentiu ofendida: “o fato de ele ser da periferia não lhe dá o direito de ser indelicado, não ter respeito com o próximo”. Ela ainda rebateu as críticas às comunidades terapêuticas: “é questão de matemática: nós temos dois ou três Caps na cidade e temos 50 casas de recuperação. Por isso o investimento com recurso público. E não é que as casas estão recebendo milhares de recursos de dinheiro, [é que] eles fazem um trabalho com excelência”, finalizou.

 

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