O relator do projeto de lei que autoriza o comércio de derivados da cannabis para fins medicinais no Brasil, deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR), apresentou nessa terça-feira (20) um substitutivo à comissão especial que analisa a matéria na Câmara dos Deputados.
Presidente do colegiado, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) informou que, a partir desta sexta-feira (23), os integrantes da comissão poderão apresentar emendas ao substitutivo dentro do prazo de cinco sessões do Plenário. A reunião para discutir e votar o substitutivo foi marcada para o dia 17 de maio, às 15 horas, já considerando o prazo do relator para apresentar parecer às emendas.
O substitutivo de Ducci amplia a ideia original do projeto e prevê que a União poderá autorizar o plantio, a cultura e a colheita de qualquer variedade de cannabis – planta também usada para produzir a maconha – não apenas para fins medicinais, mas igualmente para uso em pesquisas científicas e na indústria. Assim como o projeto, o substitutivo altera a Lei Antidrogas.
Desde dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já autoriza a comercialização de uma categoria de derivados de cannabis no País. O primeiro produto foi autorizado em abril de 2020.
Regras – Ao ler o parecer, Ducci frisou que, apesar de mais abrangente, o substitutivo estabelece uma série de regras para o plantio, o processamento, a armazenagem, o transporte, a industrialização, a comercialização, a pesquisa, a importação e a exportação da cannabis no Brasil. Para ele, afirmações que associem o substitutivo à legalização da maconha são totalmente infundadas.
Conforme o substitutivo, são expressamente proibidas a produção e a comercialização de produtos fumígenos, como cigarros, fabricados a partir da cannabis medicinal, assim como chás medicinais ou outras mercadorias na forma vegetal da planta, incluindo sementes. “Não aceito quando alguns acusam o substitutivo de incentivar a produção de drogas no Brasil ou quando afirmam de maneira maldosa e mal-intencionada que o foco do texto é a legalização da maconha. Isso é uma mentira”, criticou o relator.
Ducci reforçou que o objetivo da proposta é reconhecer em lei as propriedades terapêuticas da cannabis, as quais, enfatizou ele, já foram comprovadas cientificamente. “Inúmeras pesquisas no mundo comprovaram que a cannabis tem atividade neuroprotetora e que ela possui efeitos analgésicos, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios, antieméticos [contra vômito] e antidepressivos”, diz o parecer.
“Estou pensado exatamente no sofrimento das famílias dos mais de 13 milhões de portadores de doenças raras no Brasil que poderiam ser beneficiados pelos derivados da cannabis. São essas famílias que sofrem diariamente com a burocracia, com o alto custo dos medicamentos, com a marginalização, com o preconceito”, argumentou o relator. Há estudos que indicam que os derivados da planta podem ser utilizados no tratamento de Alzheimer, Parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia.
Paulo Teixeira ressaltou que o trabalho do relator tem como base 15 audiências públicas que ouviram cientistas, médicos, profissionais de saúde, pacientes, associações e representantes da indústria e da agricultura. “Em razão do alto custo da importação de derivados da planta, muitas famílias e associações de pacientes com doenças raras têm que recorrer à Justiça para ter o direito de plantar cannabis. Hoje, no Brasil, há cerca de 100 liminares concedendo a elas esse direito ”, observou Teixeira..
Prescrição – A indicação de medicamentos ou produtos de cannabis medicinal para uso humano ou veterinário somente poderá ocorrer mediante prescrição por profissional legalmente habilitado, segundo exigências da Anvisa ou, no caso veterinário, do Ministério da Agricultura.
“Esses medicamentos só poderão ser vendidos com prescrição médica. E, para poder plantar, precisa de autorização da Anvisa e ou do Ministério da Agricultura. Vamos saber quem vai plantar e para que vai plantar. Tudo isso já cria uma segurança para evitar desvios”, reforçou Ducci.
Autorização – De acordo com o substitutivo, empresas interessadas em cultivar qualquer variedade de cannabis ficam obrigadas a obter, previamente, uma autorização do poder público. Para tanto, deverão definir uma cota de cultivo, conforme demanda pré-contratada ou finalidade pré-determinada. Ficam obrigadas ainda a garantir a rastreabilidade da produção, desde a aquisição da semente até o processamento final e o descarte da planta.
Para garantir a segurança do cultivo e evitar que os locais sejam acessados por pessoas não autorizadas, o texto proíbe a identificação da plantação com nomes que remetam ao tipo de atividade ali desenvolvida, e exige a instalação, em todo o perímetro do cultivo, de telas de aço ou muros com, no mínimo, dois metros de altura e cercas elétricas.
O controle do potencial psicotrópico da planta e a adoção de boas práticas agrícolas deverão, segundo o texto, serem controlados por um responsável técnico, que, entre outras funções, deverá monitorar os teores de tetraidrocanabinol (THC) – substância psicoativa – das plantas, sendo classificadas como psicoativas as com THC superior a 1% e como não-psicoativas as que possuírem percentual inferior a esse.
Farmácias – O texto autoriza a produção de medicamentos à base de cannabis tanto por farmácias vivas (que cultivam a planta) quanto por farmácias de manipulação. Produtos elaborados por farmácias vivas, no entanto, só poderão ser ofertados após testes que validem os teores dos principais canabinoides presentes na sua fórmula, como o canabidiol e o tetraidrocanabidyol.
Desde 2017, o Brasil já reconhece a eficácia e autoriza a importação do medicamento Mevatyl, indicado para esclerose múltipla, que custa mais de R$ 3 mil. Em 2020, a Anvisa autorizou a importação de produtos e medicamentos à base de cannabis para serem vendidos em farmácias do País, sendo permitida também a importação de insumos para produzir esses produtos. “Diante disso, qualquer preocupação com o plantio deixa de existir, porque a importação já é autorizada”, observou Ducci.
Associações de pacientes
As associações de pacientes sem fins lucrativos legalmente constituídas terão regras específicas para o cultivo, o manejo e o processamento da cannabis, as quais foram detalhadas em anexo do substitutivo com 12 páginas. Como regra geral, os produtos elaborados pelas associações também só poderão ser dispensados após a realização de testes que validem os teores dos canabinoides.
Cânhamo industrial – Por fim, o substitutivo autoriza a produção e comercialização de cosméticos, produtos de higiene pessoal, celulose, fibras, produtos de uso veterinário sem fins medicinais, gêneros alimentícios e suplementos alimentares e embalagens e rótulos fabricados a partir do cânhamo industrial (espécie não psicoativa da cannabis).
“Entendemos que o cânhamo industrial tem o potencial de abrir um novo segmento comercial no Brasil e se tornar uma nova matriz agrícola. Importante salientar que a planta não tem condições de causar nenhum efeito alucinógeno”, conclui o relator. (ACN).