O plenário da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) decidiu nesta segunda-feira(14), por 17 a 11 votos, com oito abstenções, arquivar o projeto de lei da vereadora Carol Dartora (PT) que denominava como Marielle Franco um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da capital. Nesta segunda, faz quatro anos que a parlamentar carioca foi assassinada a tiros, na companhia do assessor parlamentar Anderson Gomes, que dirigia o carro em que estavam, no Rio de Janeiro. O crime ainda não foi solucionado.
O projeto encontrou em plenário três tipos de objeções diferentes. Sargento Tânia Guerreiro (PSL) e Osias Moraes (Republicanos), por exemplo, questionaram a falta de vínculo direto de Marielle Franco com a cidade de Curitiba, argumentando que isso é exigido pela lei 8.670/1995. Éder Borges (Pode) e Ezequias Barros (PMB) questionaram ligar o nome de uma creche à figura de Marielle Franco, que defendia o aborto e a descriminalização das drogas. Para Denian Couto (Podemos) e Professor Euler (PSD), antes da questão de mérito, está o entendimento dos parlamentares de que a CMC deveria suspender a votação deste tipo de projeto.
“Se não foi aprovado hoje, vai ser aprovado na próxima legislatura, porque a luta vai avançar, porque vocês não vão nos barrar, não vão nos impedir. Eu entrei, eu sou a primeira [mulher negra eleita vereadora] e outras depois de mim virão, e essa luta vai avançar. [O projeto em homenagem a Marielle Franco] vai ser reapresentado, e reapresentado, e reapresentado, e reapresentado até que essa transformação aconteça. Que essa transformação é imparável”, disse Dartora, durante o debate.
“Eu entrei aqui com ameaças de morte. Essa não é uma luta individual nem partidária, pois é uma luta social. A inclusão das mulheres negras é uma luta social e a Marielle representa isso. Não é mais um macho branco rico, é uma mulher preta periférica que simboliza muito para as pessoas. Não é Eder Borges que dá significado para a vida de Marielle Franco, é o mundo”, rebateu Carol Dartora, lembrando que a família da ex-vereadora carioca já foi recebida duas vezes pelo Papa Francisco, autoridade da Igreja Católica.
Dartora disse isso em resposta a Borges ter chamado Marielle Franco de “grande propagadora do aborto, do assassinato de crianças inocentes no ventre das suas mães”, de “drogada”, que era “suspeita de ligação com o crime organizado”, que teve “uma vida irregular, para não dizer promíscua”. “Que exemplo uma mulher dessas pode ser para as nossas crianças?”, perguntou o parlamentar. “Marielle Franco morou no Rio de Janeiro, ela não fez nada por Curitiba, então [de acordo com a lei] fica vetado qualquer coisa com o nome dela”, disse Tânia Guerreiro.
Osias Moraes afirmou que sem a conclusão da investigação sobre a morte da vereadora carioca não poderia ter uma convicção sobre a vida dela. E que, como não vislumbrou identificação dela com Curitiba, perguntava-se “qual o sentimento dos pais em relação à homenageada? Como vão se sentir na escola?”. Antes, Ezequias Barros havia dito que as investigações do assassianto de Marielle e Anderson estavam tão inconclusas quanto a do atentado de Adélio Bispo contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro.
Com a discussão em plenário sendo ríspida, o presidente da CMC, Tico Kuzma (Pros), lembrou que os vereadores poderiam ser advertidos pelo Conselho de Ética conforme suas atitudes e uso de palavras de baixo calão. Em dado momento, durante manifestação de Maria Leticia, ela pediu a Eder Borges que interrompesse seus comentários fora do microfone. “Eu não admito ser interrompida por esse fulano”, reclamou, classificando o acontecido de violência política de gênero. “É um absurdo e uma vergonha para a CMC permitir que alguém se manifeste dessa forma”, disse Leticia, que é a procuradora da Mulher da Câmara de Curitiba.
Maria Leticia disse que a discussão do aborto é um fenômeno mundial e que, se defender a descriminalização das drogas fazia de Marielle Franco uma drogada, que ela própria e que o líder do governo, Pier Petruzziello (PTB), tinham projetos na Câmara sobre o uso da cannabis medicinal. “Ela não defendia bandido, Marielle defendia direitos iguais para todos, pois todos têm direito à defesa”, continuou Leticia. A ela se somou Dalton Borba, lembrando que a lei das denominações permite homenagens a “figuras, fatos e datas representativas da história local, nacional ou geral”, logo não precisaria haver vínculo direto com Curitiba.
Dizendo-se perplexo “pela grande desinformação que permeia o discurso de muitos”, Dalton Borba defendeu que aprovar a denominação era aceitar que Marielle Franco tornou-se um símbolo do combate ao racismo e que Curitiba deveria estar agradecendo [essa oportunidade] de entrar para o rol das cidades que lutam por direitos fundamentais”. “O que mais lutamos é pelo direito de voz do brasileiro e dos seus representantes. O que fizeram com o direito de voz da Marielle? Calaram. Sobrou para ela que nós sejamos a voz dela no país inteiro”, disse Borba.
“Marielle foi uma referência para todas as mulheres, mas, principalmente, para as negras e periféricas, que, a partir da sua luta, conseguiram galgar mais espaços. Pode parecer um projeto singelo, que não tem importância, mas está debatendo as chagas do Brasil”, acrescentou Professora Josete. Após a justificativa, Euler sugeriu que na próxima vez que o projeto for trazido a plenário, na próxima legislatura, seja proposto alterar o nome genérico de um CMEI já existente pelo de Marielle Franco, dando especificidade ao projeto. Já Denian Couto, antes, apenas disse que “nós [vereadores] custamos muito caro ao povo de Curitiba para ficar discutindo se Marielle Franco deve, ou não, ser o nome de um CMEI”.